“Quando a notícia da morte de Jurandy Moura chegou à redação do jornal, seu corpo já estava estendido na lousa como pássaro sem vida“. ...

Pássaro estendido na lousa

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“Quando a notícia da morte de Jurandy Moura chegou à redação do jornal, seu corpo já estava estendido na lousa como pássaro sem vida“. É Gonzaga Rodrigues quem revela-nos esse estado em que Jurandy se encontrava, igual a um passarinho com asas abertas recolhendo os odores derradeiros exalados da fatídica madrugada.

Tarde conheci Jurandy, mas cedo tornei-me apreciador de sua poesia, do simpatizante seu modo de conduzir as aspirações dos poetas e do modo como recolhia as belas canções de amor e de paz. Ele era um pássaro que voava alta em sonhos nos enlevos da alma.

Em diversas ocasiões, o tinha visto em circulação em recintos culturais, sem que ele tenha me visto antes. Somente fomos apresentados numa mesa de bar. Era noite de sábado quando o movimentado Flor da Paraíba, às margens da Lagoa do Parque Solon de Lucena, resgatava os órfãos do restaurante Bambu. Apresentado como poeta pelo colega Paulo Queiroz, repórter de O Norte que depois foi embora para as bandas do Acre.

- Você tem alguma poesia aí? – perguntou-me.

Respondo que não.

- Poeta deve andar com poemas no bolso.

Nunca esqueci desse conselho.

Assim era Jurandy Moura, um poeta em todas as horas.

Jornalista e poeta com olhar sereno que se escondia por detrás da lente grossa dos óculos, falava como apaziguar os ânimos exaltados e, com a voz doce dos pássaros que compõem a paisagem de sua terra Taperoá,
acolhia a todos com a suavidade da brisa do mar e o silêncio da caatinga. Tinha predileção pelas minorias, e solidário com os sofredores, se compadecia diante da dor alheia.

Sempre lembrado por sua dedicação em favor da poesia, louvou o cinema, inclusive produzindo documentário sobre padre José Coutinho, um missionário que ajudava manter viva a esperança entre desvalidos que buscavam a sua sombra.

A poesia estava na alma de Jurandy. Orientava os jovens desnudos de conhecimentos da arte e dos caminhos para produzir poemas. Apontava horizontes da leitura. Assim como se deu comigo, naquele encontro à mesa do bar, quando recomendou ter ao alcance das mãos um bom livro de poesia e trazer no bolso o poema. - Mostre-me depois seus poemas. Quem sabe podemos publicar no Correio das Artes. Não mostrei o poema porque antecipado foi seu encontro com a onça caetana que Ariano Suassuna tanto falava. Mas ficou a lição de que o poeta carrega a sina de nunca desapegar de sua poesia. Quando observar alguém andando absorto na rua, não o incomode, talvez esteja ruminando um poema.

Não iludia os jovens poetas com decadência precoce, mas animava a todos orientando a buscar a perfeição que se consegue com persistência da semente que empurra a terra até ver o sol, cresce e dá frutos. Conversando com ele sentia-se a plenitude da doçura humana.

Jurandy Moura trazia a poesia do canto dos pássaros, por isso seu corpo inerte na lousa fria parecia o de um passarinho, como quem cedo absorva os cantos da caatinga. Esses ruídos da caatinga misturados às canções do mar e ao odor dos manguezais do Sanhauá nas noites silenciosas nas casas com luzes opacas do Varadouro, estavam sempre com ele.

O que Orris Soares disse sobre de Augusto dos Anjos, de que era magro, parecendo “um pássaro molhado, todo encolhido nas asas, molhado da chuva”, se aplicaria ao aspecto humano de Jurandy Moura, que tinha a magreza e a singeleza do beija-flor.

Foi um poeta que sentia tudo com a largueza de espírito e por isso deixou uma obra poética a ocupar lugar de destaque na paisagem da literatura paraibana. O lançamento de suas poesias pela A União é o resgate do trabalho deste poeta fluente nas discussões sobre arte.

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