Acaba de chegar às livrarias o livro póstumo do psicanalista e escritor italiano/brasileiro Contardo Calligaris, falecido em 30 de março de 2021. O título pode parecer à primeira vista um pouco (ou muito) ambicioso: O sentido da vida (Editora Paidós, São Paulo, 2023), mas logo o leitor perceberá que não se trata de pretensão nem de vaidade tola de autor metido a dono da verdade. É exatamente o contrário.
Não conheço a história da gestação desse livro, mas é plausível imaginar que tenha sido escrito quando o autor já estava ferido pela enfermidade fatal
Contardo Calligaris@contardo calligaris
Para quem ainda não conhece o autor, uma sumária apresentação: ele era italiano de nascimento, estudou na Suíça e na França (onde foi doutorando de Roland Barthes), exerceu a psicanálise em Nova York, Paris e São Paulo, escreveu romances, ensaios e peças teatrais, além de manter, nos anos finais, uma coluna semanal no jornal Folha de S. Paulo. Além de psicanalista renomado, foi um intelectual de alta expressão, participante, sem propriamente exercer militância, como convém aos formadores de opinião responsáveis. Podendo viver confortavelmente em qualquer lugar do mundo, escolheu, sabe-se lá por que razão (talvez as do coração), a capital paulista para se radicar, tendo ali – e no Brasil como um todo – fincado raízes profundas de todos os tipos, confirmando o poder encantatório do nosso surpreendente país.
O próprio título da obra já nos dá uma pista de seu conteúdo, levando-nos a associá-lo a uma possível meditação filosófica ou até mesmo religiosa. Mas o autor, sempre sábio, não pretende tanto, pois, parece-me, quer mais é manter uma conversa informal, mesmo que séria, com o leitor, sobre temas fundamentais da existência. Saber viver e saber morrer, por exemplo. Aqui se impõe uma ressalva para tranquilizar o eventual leitor: em nenhum momento Calligaris dá lição de moral nem se apossa da verdade com exclusivismo; apenas nos mostra, de forma simples, seu maduro pensamento, fruto de tantas leituras e experiências.
Ele inicia afirmando: “... para mim, a felicidade, seja lá o que ela for, não depende de a vida e o mundo terem um sentido no qual eu acredite. Ao contrário, se a vida tiver um sentido fora dela, nas nuvens do paraíso ou nas dos sonhos, onde vivem as utopias sociais, suspeito que a gente se distraia dela. E não sei se existe uma chance de viver uma vida plena sem destinar a esse projeto toda a nossa atenção”.
Ben White
Perdoe-me o leitor a exclamação e sigamos. Uma tia de Calligaris certa vez lhe disse uma frase que ficou em sua memória: “Uma morte bonita honra uma vida inteira”. Na verdade, a frase é de Petrarca, poeta italiano do século XIV, e pode significar muitas coisas. Inicialmente, uma morte bonita não é necessariamente uma morte gloriosa, heróica. Também não é o final de uma planejada preparação, com vistas a uma eventual recompensa divina. Para o autor, a morte bonita é só um jeito de terminar com “elegância” uma vida interessante. E ele dá como exemplo a morte de Sócrates e de Sêneca. Por qual motivo?
A morte se SócratesJacques Louis David
A morte de SênecaGerard van Honthorst
Ouso dizer que, por tudo que li a respeito, a vida de Contardo Calligaris foi muito interessante e sua morte, coerentemente, foi bonita. Precisamos ainda buscar sentido nisso ou isso deve nos bastar?