A Capital da Paraíba, creiam, quase teve gôndolas. Elas percorreriam os canais formados por três ou quatro ilhotas no Lago das Cinco F...

Cobra para te picar

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A Capital da Paraíba, creiam, quase teve gôndolas. Elas percorreriam os canais formados por três ou quatro ilhotas no Lago das Cinco Fontes então escavado no Parque Arruda Câmara por uma draga enorme advinda da Secretaria Especial de Políticas Regionais, organismo do Ministério do Planejamento.

O primeiro secretário de Meio Ambiente do Município, o engenheiro elétrico Eduardo Araújo, fez uso da tal máquina para escavação não apenas deste, mas, ainda, de outro lago menor, o de São Francisco, para o qual fora projetada nova ilhazinha à guisa, neste caso, de palco para um anfiteatro. Os atores se apresentariam do meio
Parque Arruda Câmara (Bica)
das águas para o público sentado em área gramada com boa inclinação, um talude em formato de meia-lua.

A Escola Piollin, instalada nas imediações, ansiava pela conclusão do projeto tão bem-vindo a seu propósito de formação cultural e artística de jovens adeptos do circo, do teatro e da música.

Tudo isso funcionaria longe das jaulas de onças, leões, macacos, catetos, veados e outros bichos. Para quem não sabe, o Parque situado no centro de João Pessoa abriga em seus quase 27 hectares árvores da Mata Atlântica brasileira (muitas delas centenárias), exemplares variados da fauna regional e outros importados. É o que modernamente se chama Jardim Zoobotânico.

O projeto do anfiteatro nunca saiu do papel. Nem ele nem o das gôndolas em vão concebidas para o passeio romântico dos casais, embora aquela draga já houvesse preparado o lago suprido pelo Riacho da Pólvora.

Perguntem a razão desse nome e responderei, sem apostar muito nisso, que decorreu da desova costumeira de corpos abatidos nos tiroteios de antigamente. Pelo menos, foi o que ouvi.

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Em meados de 1990, Eduardo Araújo, de todo modo, tratava de resgatar aqueles fundos do Parque para o bom proveito dos moradores e visitantes da cidade famosa pela imensidão de suas áreas verdes. Que o diga, também, a Mata do Buraquinho, uma das maiores reservas florestais nativas existentes em perímetro urbano do País. Seus quase 520 hectares de vegetação cerrada e repleta de vida silvestre estão ilhados por quatro bairros residenciais.

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Ah, sim. As ilhas do Lago das Cinco Fontes (alusão aos córregos ali também desaguados) deveriam conter, caso a caso, macacos e jaburus, bichos que não sabem nadar. Na margem Leste, o secretário pretendia erguer uma torre de madeira com uns 20 metros de altura em cujo piso deveriam funcionar sorveteria e lanchonete. O piso intermediário abrigaria um bom restaurante e, o terceiro e mais elevado, um piano-bar com visão para os quatro pontos cardeais. Não lembro do arquiteto do Recife a quem ele chegou a encomendar esse projeto.

Imagens Frutuoso Chaves
“Tu crias cobra para te picar”, alguém assim advertiu o então prefeito municipal quanto à possibilidade de seu secretário lançar-se candidato à Prefeitura na eleição subsequente com a popularidade em muito elevada graças ao projeto de revitalização do Parque. O rompimento político e a consequente destituição de Eduardo do cargo que até então ocupava deram-se de pronto. Depois disso, o moço saiu das manchetes e o assunto morreu.

As férias escolares do neto permitiram-me, há poucos dias, a visita ao lugar. Houve melhorias, sobretudo, na parte do Zoológico. Mas não gosto de ver bicho enjaulado. Prefiro, ali, as alamedas e a exuberância vegetal.

Fonte da Bica
Não consegui me aproximar do chafariz do qual boa parte da população bebeu até que a evolução trouxesse, a partir dos anos de 1920, o sistema de abastecimento d'água às áreas centrais e periféricas de João Pessoa. A Bica – nome que a tradição oral estendeu a todo esse belo Parque – está em reforma e isolada por tapumes. Deu para fotografá-la de longe e para falar da lenda que cerca sua origem ao meu pequeno companheiro.

Aconteceu assim. Ferido e preso ao cabo de confronto com os Tabajaras, o guerreiro Tambiá, em razão da bravura, foi reverenciado e bem tratado pela tribo inimiga. Além da cura, obteve como esposa a filha do cacique. Até que lhe veio a hora da morte, ritualística, inevitável. A menina pediu em vão que o pai poupasse a vida daquele que ela já tanto amava. Não atendida, chorou 40 dias e 40 noites. De seu pranto nasceu a fonte de interminável jorro.

A grande movimentação, na tarde de uma terça-feira, me surpreendeu. E me fez lembrar de que este santuário ecológico continua a ser, depois das praias, a maior opção de lazer dos pessoenses, termo que designa os aqui nascidos, ou bem vividos.

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