Quase sempre começo a trabalhar na madrugada coberta com seu véu do amanhecer, para esperar o sol despontar por entre casas e edifícios que me consentem avistar o horizonte amarelado sobre o mar, mesmo sabendo distante. Tenho como hábito terminar cedo os afazeres do dia para observar o sol no entardecer, quando me é permitido olhar, mesmo que seja uma nesga ao longo da rua.
Desde o tempo de criança me aconselharam a responder aos apelos da Natureza como dádivas celestiais, sabendo que o sol nasce para os bons e os maus.
Serraria (PB) Ana Paula Cavalcanti
Poeta que não se inspira na musa para a compor seus poemas, essa musa maior chamada de Natureza, sua composição corre o risco de se tornar um amontoamento de palavras. A Natureza é poesia, porque a Natureza é a imagem de Deus. Deus é poesia. Por isso, o nascer e o entardecer carregam consigo toda a poesia divinal.
Mesmo sendo criação do Divino, em dias umedecidos pela chuva, a madrugada e o entardecer não são notados em seus plenos encantos, mesmo que carregam consigo beleza e inspiração, como iguais aos dias esbraseados pelo Sol.
ALCR
A babugem rejuvenesce com o frescor das madrugadas. Eu carrego comigo o amanhecer do campo, não esqueço dos pássaros quando despertavam com a vegetação aberta pelo orvalho rejuvenescedor no alvorecer. Em Tapuio, era inesquecível o momento quando o gado mugia aos raios do sol que apareciam por entre os galhos dos arbustos, se esparravam pelas encostas e se espalhavam pelos baixios.
Serraria (PB) @pb.gov.br
Sem nunca ter lido algum texto deste homem considerado a “Águia de Haia”, mas que conhecia de ouvir dizer, meu pai começava o dia como Rui orientava. Nas madrugadas silenciosas de Tapuio, sítio onde morava, sem que a brisa o incomodasse, com chapéu à cabeça, percorria o curral, observava a lavoura sorrindo com a brisa fresca. Silencioso, ele contemplava os poemas que a Natureza construía. Por isso papai nunca desejou sair do lugar onde nasceu, cresceu e construiu a paisagem que alimentou sua numerosa família, se é que podemos chamar de numerosa uma prole de doze filhos.
Serraria (PB) Acervo do autor
Quando morava em Tambiá, tinha o privilégio de escutar a brisa que umedecia as plantas do horto florestal da Bica. Ao sol do entardecer, conhecia os raios que abriam como espadas os galhos das árvores.
Era um tempo, no começo dos anos de 1970, em que podíamos andar pelas ruas com a camisa aberta ao peito, meditar recostado ao tronco do ipê sem medo de ser assaltado. Os arredores da fonte da Bica permitiam esse deleite.
Vivia esse restinho do clima de paz nos anos de 1970 na cidade, e nos espaços verdes das praças e na Bica me abastecia das lembranças de minha terra. Sem nunca esquecer as madrugadas iluminadas de Tapuio, nem tão pouco as tardes quando corria em cavalo de pau pelo terreiro, para recolher a boiada imaginária.
Fonte Tambiá, Parque Arruda Câmara (J. Pessoa) @jardinsdiagharta
As manhãs e os crepúsculos contêm orações. Gosto de observar esses momentos porque trazem emoção e fecundíssima visão que ajudam a mitigar a penúria do poeta. Os silêncios desses momentos contêm orações. Nos intervalos do silêncio de cada amanhecer ou no final da tarde, precisamos ouvir a voz da emoção dentro de nós. Nas duas ocasiões, silencioso, faço minhas orações e recito meus poemas prediletos, que nunca foram publicados.