Sempre fui um folião enrustido. Como tinha dificuldade de aderir à folia, a família e os amigos me consideravam anticarnavalesco – o que não é verdade. Brinco por dentro, com uma espécie de euforia espiritual. Pode parecer contraditório falar em espírito a propósito de uma festa que celebra a carne, mas a contradição é apenas aparente. O desejo é físico mas pode se sublimar, e nesse caso a alma se funde com o corpo. Freud que o diga.
José Fernando Valgode
O carnavalesco enrustido compreende a necessidade de liberar o que há em nós de instintivo. Não só compreende como sente um pouco de inveja dos que fazem isso sem inibições, entregando-se sem reservas à alegria. O que ele tem não é moralismo, é pudor, cuja manifestação visível é a timidez. Ao perceber isso, os outros o provocam e às vezes o humilham.
Não adianta. Nada o faz balançar o corpo, nem mesmo os primeiros acordes de “Vassourinhas", que sempre me pareceu um dos maiores símbolos do Carnaval pelo seu poder de despertar as massas (nos clubes ou nas ruas,
José Fernando Valgode
É como se naquele tempo não houvesse tanta agitação ou maldade e fosse possível brincar sem maiores riscos. As mulheres pareciam mais pudicas; e as músicas, cheias de um romantismo que convidava aos devaneios de um grande amor (mesmo que esse amor, como diz a letra da canção, desaparecesse com a fumaça). Para o nostálgico, que é parente do melancólico, tudo que se distancia da realidade é melhor.
Crença ilusória. Os Carnavais do passado não são diferentes dos de agora. Cada época imprime à festa a sua marca, mas o significado profundo permanece o mesmo. Quando eu era menino, costumava ouvir relatos de mortes nos salões devido aos porres com lança-perfume; ou de agressões, provocadas por ciúme, que terminavam em assassinatos. Sob o aparente romantismo latejava a febre das grandes paixões, potencializadas pela música e as drogas.
Leonardo Concon