Às vezes acho que os grandes artistas pesam menos que o restante das pessoas. Ou você nunca notou como Horowitz desliza seus dedos sobre o teclado? Como se tamborilasse ou fizesse carícias...
E Baryshnikov, que de repente deixa o chão, abre asas e se lança no espaço – pássaro claro – subvertendo a gravidade? Há bailarinas que mal tocam o solo, sílfides, e a Mitsuko Uchida, cuja alma se esconde em algum lugar luminoso tão logo ela pousa as mãos sobre o piano.
Da Vinci ▪ 1513
O cisne de Saint-Saëns? Nadando como se flutuasse entre harpas e violoncelos. Sem falar em Kurosawa, que sonhou delicadezas num lugar feito de flores e de água onde se canta para os mortos. O que dizer das peles translúcidas, de brilho fino, de Bouguereau e de Waterhouse?
Bem verdade que a arte também se disfarça de peso. Há quem ache isso ao ver a tinta se derramando voluptuosa sobre as telas de Van Gogh, engolindo tudo em suas cores que arrebentam. Vincent, que amava as cores. Amava-as tanto que as deixava livres, escandalosas, dominarem tudo.
Estrelas giravam nas telas, árvores quase viravam rolos, sóis enroscavam-se, encharcados de tinta luminosa. É que às vezes a arte se amasia com uma dor lancinante, que morde a alma. E para acalmá-la só mesmo misturando-a a tintas e canções, algemando-a a partituras e telas, verbos e películas.
Van Gogh ▪ 1889
Chegue até Mozart com seu coração partido e o olhe demoradamente. Uma alegria então lhe tomará por dentro. Um bálsamo que brota do peito, iluminando o mundo.
Mozart é a primavera surgindo, mansa, nas almas abatidas pelo longo inverno.
Mozart é o amor.