O fato de o Sol aparentemente girar ao redor da Terra... ou de nós, fez-nos pensar durante séculos que éramos o centro, o objetivo do Universo e, consequentemente, de Deus. O sistema planetário concebido pelos antigos confirmava isso, assim como os autores do Antigo Testamento, que embarcaram na fantasia e criaram a cena em que Josué detém o Sol e a Lua para que houvesse tempo de terminar a batalha com a vitória sobre os amorreus.
Mas num belo dia do século XVI, um fabricante de lentes - o holandês Lippershey - criou a luneta e a ofereceu ao seu governo, que passou a utilizá-la para fins bélicos: podia-se, agora, ver as bandeiras - nacionalidades - dos navios, à segura distância de seus canhões. Maravilha. Até que tal instrumento chegou às mãos de Galileu Galileu, e o desgraçado italiano guaribou a geringonça, tornando-a num telescópio, voltou-o pro céu, e o que viu foi chocante: havia quatro luas ao redor de Júpiter!
Hans LippersheyCharles Henry Granger
No genial texto para teatro, “A Vida de Galileu”, Brecht acompanha a dramática pressão da Igreja sobre o astrônomo, para evitar que se espalhasse a descoberta que negava – para pavor dos padres - a infalibilidade bíblica. Mas a verdade acabou se impondo e a consequência pior, infelizmente, foi a de que a autoestima humana sofreu um colapso. Passamos não só a nos ver como escanteados do centro do sistema, como ficamos cientes, também, de que esse próprio sistema está situado bem longe do centro da Via Láctea, que, por sua vez, é apenas mais uma, na infinidade de galáxias perdidas na treva do espaço.
Waldemar J. Solha Acervo do autor
“Senhor, vós me perscrutais e me conheceis. Sabeis tudo de mim, quando me sento ou me levanto. De longe penetrais meus pensamentos.
Quando ando e quando repouso, vós me vedes, observais todos os meus passos. A palavra ainda não me chegou à língua, e já, Senhor, a conheceis toda. Vós me cercais por trás e pela frente, e estendeis sobre mim a vossa mão”.
A Gioconda L. Da Vinci
Mas há mais coisas que a multidão não vê ao se postar ante a “mona”, dona Lisa Gherardini, mulher de Francesco di Bartolomeo di Zanobi del Giocondo: O quanto é estreita, por exemplo, a faixa da luz visível para nós, espremida entre o infravermelho e o ultravioleta. Não verá – a menos que seja o Clark Kent - o que há por trás das tintas, à luz dos raios-x.
Vamos para Nova Iorque. Será fácil sentir que a estátua da Liberdade é gigantesca, quando ficarmos de tal modo próximos dela, que não conseguiremos sequer vê-la inteira. Fácil, também, será constatar que ela parece minúscula, vista de Manhattan.E podemos entrar nela e lhe conhecer o interior, tomar conhecimento de que tem 46,5 metros de altura, pesa 160 toneladas, de que foi presente dos franceses, que foi inaugurada em 1886, que foi projetada por Frédéric Auguste Bartholdi, etc, etc. Se juntássemos todos esses fatos e fotos acima ao mesmo tempo, nós a veríamos – se não tivéssemos a capacidade de operar com uma multidão de dados – novamente como cubistas. Mas nossa mente é capaz de “trabalhar” com todos esses dados – como fiz aqui.
Frédéric Auguste Bartholdi
"O Modulor (Le Corbusier) @oliver.tomas
Mas eis que o Salmo que já citamos nos volta à mente:
“Senhor, vós me perscrutais e me conheceis, Sabeis tudo de mim, quando me sento ou me levanto. De longe penetrais meus pensamentos. Quando ando e quando repouso”, etc, etc. "Conhecimento assim maravilhoso me ultrapassa, ele é tão sublime que não posso atingi-lo.”
Como seria possível essa preocupação com o ser humano, que é a “quintessence of dust” – “quintessência do pó” – como diz o deprimido Hamlet, na época de Galileu? Resposta: Deus, que - como diz um distante e desconhecido autor citado pelo Padre Vieira n”Os Sermões” -, é um círculo imenso “cujus centrum est ubique, circunferentia nusquam”: “cujo centro está em toda parte, a circunferência em nenhuma”. Troquemos “Deus “ por “Natureza” – como faria Espinosa - e o veremos mais perto de nós.
Quintessência do pó Veta Gorner
- Sentaos, majagranzas, que adondequiera que yo me siente será vuestra cabecera.
PPGL/UFPE
- Se estamos sozinhos no Universo, isso é um tremendo desperdício de espaço…
Graças ao sentimento de humílima solidão como o dele, não faltaram argumentos de que o que de melhor fizemos na antiguidade foi obra de alienígenas:
Pedras de duas e meia toneladas na pirâmide de Quéops?: coisa de ETs.
Ou mais:
Templo de Baalbek (Líbano) @eddit.com
No antigamente famoso “Eram os deuses astronautas?”, von Däniken chamava nossa atenção para uma figura babilônica que estaria usando relógios de pulso. Bastou-me ver a foto com mais qualidade, numa História da Arte, pra constatar que se tratava de mera pulseira com uma rosácea. Jesus? ET também. Prova disso seria uma fração do céu sobre o “Batismo de Cristo”, de Piero della Francesca, em que se veria um disco voador, quando a visão do céu completo nos mostra que aquela é mais uma das nuvens da cena, no estilo duro do artista.
A realidade sempre impressiona mais que qualquer fantasia – como Drummond já constatou ao ler as reportagens de seu tempo, sobre a Batalha de Stalingrado. Quando se pensa, por exemplo, que o mais pesado que o ar levantou voo pela primeira vez com o precário 14-bis de Santos Dumont em 1906, e que em 1969 o Homem já disparava para a Lua na Apollo 11, estabelecendo, como primeira consequência das primeiras viagens espaciais, o incremento impressionante de nossas comunicações, é óbvio que perguntemos:
- O que vem por aí?:
Pizar Almaulidina
Porque o ser humano é que vai povoar e colonizar o Universo, sem dúvida. Simplesmente porque ele é realmente feito de Universo e pelo Universo, com todos os seus defeitos e efeitos especiais, exatamente, ciente de que centrum est ubique, circunferentia nusquam... e que “adondequiera que se siente” ali será a cabeceira.