Ao contrário do que pensam os desinformados, não são fashion os sapatos vermelhos do papa. Ou seja, não têm nada a ver com moda...

Os sapatos vermelhos do papa não são fashion

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Ao contrário do que pensam os desinformados, não são fashion os sapatos vermelhos do papa. Ou seja, não têm nada a ver com moda e sim com toda uma antiga simbologia religiosa da Igreja Católica. Significam tradição e não a novidade frívola dos modismos. Simbolizam o sangue da paixão e morte do Cristo. São trágicos, portanto, e não carnavalescos. Merecem respeito e não deboche. Assim os sapatos e assim todos os demais itens do vestuário papal. Tudo é simbólico, tudo tem um significado.

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Papa Bento XVI CNA
A batina branca, por exemplo, tem a ver com a pureza que se supõe haver naquele que a veste, sem que isso o livre da condição de pecador, como todos nós. Seus trinta e três botões remetem à idade de Cristo. O papa Francisco, de cara, logo ao ser eleito, já recusou alguns ornamentos papais, como os sapatos vermelhos, a cruz peitoral de ouro, o anel de ouro e alguns paramentos dourados. Simplicidade total, foi o seu recado inicial, o que é perfeitamente compreensível, face ao seu anterior voto de pobreza e à sua personalidade. Já seu antecessor Bento XVI foi o contrário: adotou integralmente as vestes e acessórios inerentes ao papado sem nenhum problema. O que também se pode entender, pois foi a vida inteira um defensor dos fundamentos da fé cristã e da tradição, sem que isso signifique necessariamente reacionarismo e rejeição a eventuais mudanças. Tanto é assim que renunciou ao papado, decisão que há séculos um pontífice não tomava.

Pio XII foi um tradicionalista de índole imperial. Exerceu o papado como um verdadeiro rei. Não só nas vestes, mas também nos modos de ser e de agir. Em sua presença, sentia-se o peso da hierarquia. O papa como quase deus. Era distante dos demais mortais. Por opção, fazia as refeições sozinho, preferindo a companhia de um passarinho à de pessoas. Aí veio João XXIII, o papa bom, cuja informalidade
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Papa Pio XII Giampiero Sposito (@opadre )
antecipou a de Francisco, mas que adentrou a basílica de São Pedro para tomar posse sentado na sede gestatória, espécie de trono levado nos ombros de escolhidos súditos. Ainda era um rei. A despeito disso, revolucionou a Igreja ao convocar o Concílio Vaticano II, iniciativa que a trouxe para a atualidade dos anos 1960/1970 e livrou-a de permanecer distanciada da sociedade que se modernizara. Seu sucessor, Paulo VI, finalizou e consolidou o Concílio, equilibrando-se doutrinariamente e quanto às aparências entre o conservadorismo e o progresso. O breve e sorridente João Paulo I provavelmente viria para muitas mudanças, inclusive comportamentais, mas não teve tempo: morreu com pouco mais de um mês de papado. E então foi a vez de João Paulo II, com avanços e recuos consideráveis. Ajudou a derrubar o comunismo soviético e combateu resolutamente a chamada “teologia da libertação”, de inspiração marxista, sem que isso tenha implicado em aberta adesão ao capitalismo opressor. Em várias ocasiões usou os tais sapatos vermelhos – e ninguém criticou.

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Papa Pio X
Francesco De Federicis
O nome adotado por cada papa sinaliza o programa de seu pontificado, suas opiniões e até seu temperamento. Assim também suas vestes e demais acessórios. Mas isso não constitui uma armadura inviolável. Um papa pode mudar de rumo durante seu pontificado. Pode começar conservador e terminar progressista. E vice-versa. Os acontecimentos influem e às vezes determinam, mas tudo sem precipitações aventureiras, sem populismos interesseiros, sem demagogias. E principalmente sem renúncia aos alicerces teológicos fundamentais, sem os quais a Igreja perderia sua identidade milenar e até a sua razão de ser. É com esse equilíbrio e essa prudência que os papas atuam e se comportam. Daí a estabilidade, daí a permanência da instituição que dirigem, a despeito dos vendavais que atingem o mundo ao redor.

Os católicos mais amadurecidos têm essa compreensão e por isso sabem que o tempo da Igreja é sempre mais lento, pois ali não há pressa, ali as decisões amadurecem sem açodamentos, ali as coisas acontecem “sub specie aeternitatis”, ou seja, tomando-se como referência a eternidade e não o relógio digital do dia a dia. Os não crentes e os fiéis de outras religiões têm dificuldade de compreender a vagarosidade do ritmo de uma instituição que está no mundo há dois mil anos e abrange mais de um bilhão de seguidores. Daí a impaciência e o superficialismo com que fazem julgamentos e exigências.

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Papa Francisco CNBB
Não se pode negar que o papa Francisco se diferenciou em comportamentos e posturas, e que isso estabeleceu um certo “modelo”, ao qual serão inevitavelmente comparados os pontífices que o sucederem. É inevitável. Daí a exagerada importância que agora está sendo atribuída aos sapatos do papa. Os surrados sapatos pretos de Bergoglio, que muito lembraram os antigos Vulcabrás de minha infância, fizeram sucesso como símbolo de humildade. Sua prosaica pasta de couro também. Mas será que a simplicidade dos sucessores deverá ser medida com base apenas em um par de sapatos? Não valerão mais as atitudes concretas e outros indicativos de modéstia? Carregar simbolicamente nos pés o vermelho do derramado sangue de Jesus não merecerá respeito? São questões para reflexão por parte daqueles a quem as mesmas possam interessar. E o veredicto há de dizer muito mais sobre a humildade dos eventuais juízes que sobre a do réu.

O certo é que os sapatos vermelhos do papa não são fashion e não pretendem ser pop. Que Madonna não invente de calçá-los. Por trás deles estão muitas tradições e muitos significados. Não são fúteis e rasos como uma bolsa de grife qualquer. E refletem aquelas sutilezas aparentemente dispensáveis que distinguem a civilização da barbárie – e só por isso já adquirem razão de ser.

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