Da prensa de Gutemberg às enciclopédias impressas, da internet com seus buscadores às inteligências artificiais generativas, como C...

Inteligência degenerativa

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Da prensa de Gutemberg às enciclopédias impressas, da internet com seus buscadores às inteligências artificiais generativas, como ChatGPT, Gemini ou Copilot, a história do conhecimento humano pode ser lida como uma sucessão de revoluções técnicas que alteraram profundamente nossas formas de aprender, ensinar e produzir saber. Cada inovação, a seu tempo, foi saudada com entusiasmo, mas também cercada de desconfianças.
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Porém, estamos democratizando o acesso ao conhecimento ou criando novas formas de exclusão e desigualdade?

Se no passado o acesso a uma enciclopédia já representava um privilégio de poucos, hoje um simples celular conecta qualquer pessoa a uma base quase infinita de informações. No entanto, essa aparente democratização convive com um risco crescente: o de produzirmos mais analfabetos funcionais, incapazes de ler criticamente e de refletir sobre os conteúdos que lhes chegam prontos, embalados por algoritmos que decidem o que aparece em nossas telas. A inteligência artificial generativa amplia esse dilema.

Ao delegarmos às máquinas a tarefa de elaborar argumentos, resolver problemas ou mesmo escrever redações escolares, não estaremos perdendo gradativamente nossa própria capacidade de enfrentamento de situações-problema? O tempo, que antes era consumido em leituras demoradas, comparações de fontes e elaboração de sínteses, hoje parece descartável. Ganha-se em agilidade, mas corre-se o risco de empobrecer o processo cognitivo. Deixar que a máquina escreva por nós pode significar deixar de escrever absolutamente, de modo que
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nunca se tornou tão imprescindível avaliar os candidatos em um processo por meio de questões discursivas, para que seja analisada a sua capacidade de escrever um texto coerente, coeso e autoral.

No campo da educação, os impactos são múltiplos. Para o professor soterrado por pilhas de redações, uma IA que corrige textos pode parecer um alívio. Para o docente mal remunerado, obrigado a dividir-se entre três ou quatro escolas para sobreviver, a tecnologia poderia liberar tempo precioso para estudos, descanso e contato com bens culturais que também fazem parte de sua formação: livros, teatro, música, cinema, viagens. Contudo, a promessa de alívio pode vir acompanhada de novos riscos. Se a escola terceiriza a avaliação para sistemas automatizados, o que acontece com a dimensão pedagógica da correção, que envolve diálogo, interpretação e escuta da singularidade de cada aluno e de cada texto?

Questões éticas emergem: a quem pertence a autoria de um texto produzido em colaboração com uma máquina? Como assegurar a originalidade quando já convivíamos, antes mesmo da IA, com práticas de cópia, plágio manual ou mesmo a contratação de terceiros para redigir trabalhos acadêmicos? A internet havia ampliado o problema, e agora a inteligência artificial parece sofisticá-lo ainda mais.
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Talvez, no futuro próximo, sintamos saudades de um tempo em que podíamos afirmar com alguma certeza de que um texto foi escrito por um humano.

Ainda quero apontar para as metáforas prontas e clichês que estão sendo infinitamente perpetuados por pessoas inábeis que delegam ao ChatGpt e afins produção de textos supostamente literários. Tenho revisado livros em que fica explícito o caráter piegas de um texto permeado por artificialidade e tom de autoajuda. Diante disso, o empobrecimento das nossas práticas de escrita encontra o leitor desavisado que vai ter que encarar um texto desprovido do caráter artesanal que apenas a mente humana, após anos de leitura eletiva, forçosa e forçada consegue esculpir, criar com real sensibilidade e perspicácia.

Não se trata de rejeitar a tecnologia, mas problematizar o que ela faz conosco: fortalece nossa autonomia ou nos reduz a meros consumidores de textos prontos? Antes de usarmos a inteligência artificial, precisamos desenvolver a inteligência proveniente da cognição humana. Leva anos, requer paciência, mas o prazer dessa conquista é imensurável.

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