Um dos elementos mais fascinantes da literatura ficcional é a personagem. Quem não se lembra de figuras marcantes como Capitu, de Dom C...

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Um dos elementos mais fascinantes da literatura ficcional é a personagem. Quem não se lembra de figuras marcantes como Capitu, de Dom Casmurro, de Machado de Assis, com seus olhos de cigana oblíqua e dissimulada; Fabiano, de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, com sua luta bruta contra a miséria e a seca; a Gabriela, de Jorge Amado, com seu cheiro de cravo e canela,

Houve um tempo em que no quintal de minha casa existia um cajueiro, alto e frondoso, que preservei por muitos anos,...

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Houve um tempo em que no quintal de minha casa existia um cajueiro, alto e frondoso, que preservei por muitos anos, desfrutava da sombra e colhia frutos. Os pássaros se acomodavam e faziam seus ninhos. Já estava em altura que trazia incômodo para o pequeno espaço do jardim por causa das folhas secas em excesso e do cupim a infestar o madeiramento da casa.

As curvas e a vegetação mais árida trazem belezas novas. E quilômetros só de estrada, pontilhados por cidades que surgem...

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As curvas e a vegetação mais árida trazem belezas novas. E quilômetros só de estrada, pontilhados por cidades que surgem, que se cruzam, que ficam pelo retrovisor. Serras com nomes de suas cidades se aproximam e lançam blocos gigantes de rocha dependurados sobre uma estrutura ímpar. Serra de Santa Luzia e Serra do Teixeira se revelam com as suas pequenas bocas prontas para engolir a serpente asfáltica e as micros máquinas que vão e vem entre o Litoral e o Sertão.

Fala-se muito do Machado dos romances e dos contos, e pouco se comenta o Machado de Assis cronista. Mas o velho Bruxo também foi bom ne...

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Fala-se muito do Machado dos romances e dos contos, e pouco se comenta o Machado de Assis cronista. Mas o velho Bruxo também foi bom nesse gênero. Uma boa oportunidade de constatar isso é ler “Fuga do hospício”.

A felicidade é, talvez, a mais inútil das invenções humanas. Não serve para nada. Não constrói pontes, não paga contas, não resolve co...

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A felicidade é, talvez, a mais inútil das invenções humanas. Não serve para nada. Não constrói pontes, não paga contas, não resolve conflitos, não salva ninguém de um dia ruim. Ela é como a água que escorre entre os dedos de quem tenta segurá-la: quanto mais se esforça, mais se perde.

A ideia de psicopatas no poder político sempre despertou fascínio e temor, tanto nos institutos de pesquisas acadêmicas quanto na cultu...

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A ideia de psicopatas no poder político sempre despertou fascínio e temor, tanto nos institutos de pesquisas acadêmicas quanto na cultura popular. Psicopatas são indivíduos caracterizados por traços como falta de empatia, manipulação, charme superficial, ausência de remorso e uma inclinação para comportamentos antiéticos e até criminosos, sem que isso lhes gere culpa. Quando essas características se manifestam em líderes políticos, os impactos podem ser de terror social ou de guerras.

Interessante é que nunca fomos apresentados. Sabemos da existência mútua, lemos um ao outro e nos comunicamos através deste Ambiente ...

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Interessante é que nunca fomos apresentados. Sabemos da existência mútua, lemos um ao outro e nos comunicamos através deste Ambiente de Leitura Carlos Romero. Certa vez, numa das confraternizações natalinas promovidas por nosso “chefe” Germano, avistei-o de longe, achei que era ele pelos cabelos brancos e antes que pudesse cumprimentá-lo, ele se retirou, de fininho, quando a noite era ainda uma criança para alguns, mas ele, com a prudência e a sabedoria dos mais vividos, concluiu que era hora de se recolher. E lá se foi, lépido, discreto, elegante e oportuno, distribuindo cumprimentos amáveis aos que o saudavam pelo caminho…

  O vento e a maré Amo as carícias que estão em tuas mãos, Mas não adianta quereres me reter, Pois, como a areia que busca o in...

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O vento e a maré
Amo as carícias que estão em tuas mãos, Mas não adianta quereres me reter, Pois, como a areia que busca o infinito, Vou escorrer entre teus dedos macios, É assim que é. Mudar o que vai em meu coração Equivale a sacrificar o sublime Que ainda habita em mim. Sei que danço entre a amargura E a borrasca no dia seguinte.

“Há um deus único e secreto em cada gato inconcreto governando um mundo efémero onde estamos de passagem Um deus que nos hospeda nos ...

gato tombi turquia
“Há um deus único e secreto em cada gato inconcreto governando um mundo efémero onde estamos de passagem Um deus que nos hospeda nos seus vastos aposentos de nervos, ausências, pressentimentos, e de longe nos observa Somos intrusos, bárbaros amigáveis, e compassivo o deus permite que o sirvamos e a ilusão de que o tocamos”
Manuel António Pina, jornalista e escritor português premiado em 2011 com o Prémio Camões, in “Como se desenha uma casa” (Editora Assírio & Alvim)

Fazia tempo que eu não alcançava o auditório da Academia na plenitude de sua principal finalidade, que é zelar pela presença, após a m...

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Fazia tempo que eu não alcançava o auditório da Academia na plenitude de sua principal finalidade, que é zelar pela presença, após a morte, dos que empenharam o melhor de si no labor literário, sobretudo no meio provinciano. Plenitude, desta vez, não só de casa cheia como de presenças compenetradas.

Fui ver Pollock no MAM do Rio de Janeiro em uma exposição temporária. Havia dois quadros dele em uma sala só para ele. O pintor usara...

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Fui ver Pollock no MAM do Rio de Janeiro em uma exposição temporária. Havia dois quadros dele em uma sala só para ele. O pintor usara o próprio corpo, como instrumento para realizar composições abstratas num emaranhado de cores fortes. O segundo quadro era em tons monocromáticos entre um cinza forte e um matiz desmaiado em uma tela imensa. Ele é um dos grandes expressionistas abstratos da América. No momento em que surgiu o expressionismo na Alemanha, o país era assombrado pela ameaça da guerra. Os pintores usaram as

Falar de Mozart e de Mercury, como, talvez, duas máscaras, dois enredos, duas vestes de uma mesma alma é, como se lembrássemos de uma ...

freddie mercury mozart reencarnacao
Falar de Mozart e de Mercury, como, talvez, duas máscaras, dois enredos, duas vestes de uma mesma alma é, como se lembrássemos de uma das canções mais populares do Queen, “it’s a kind of magic”!

Na ancestralidade figuram os primeiros sinais da ideia de reencarnação, no seio de alguns povos que habitaram este Planeta. Afinal, muito mais razoável e lógico supor que a renovação de oportunidades de aprendizado e progresso seria mais justa do que a unicidade existencial. De outra sorte, as crenças dos povos em tempos sequenciais também foram moldadas pelos poderes das religiões dominantes, assim como por suas culturas, para sancionar um poder divino que absolveria ou condenaria os seres, a seu talante.

José Ramos Horta, prêmio Nobel da paz de 1996, por sua luta pela independência do Timor Leste, disse, numa entrevista, que, embora a ...

lingua portuguesa
José Ramos Horta, prêmio Nobel da paz de 1996, por sua luta pela independência do Timor Leste, disse, numa entrevista, que, embora a língua tetum seja falada pela grande maioria da população malaio-papua (chineses, árabes e europeus são minoria), foi a língua portuguesa que simbolizou a resistência contra a opressão da Indonésia. Proibido pela ditadura do general Suharto que anexou o Timor Leste à Indonésia em julho de 1976, o português era ensinado às escondidas e aprendido com orgulho pelos timorenses que sonhavam com a liberdade. Pelo menos lá, o português era ensinado como um instrumento de libertação.

O que esperar de uma conversa de cavalheiros, cultos, nível superior, limpos, bem vestidos, todos eficientes nas funções que desempenha...

cinema wannsee
O que esperar de uma conversa de cavalheiros, cultos, nível superior, limpos, bem vestidos, todos eficientes nas funções que desempenham, reunidos numa sala de uma mansão de estilo clássico, decorada com motivos clássicos, num ambiente em que imperam a assepsia e a cordialidade, com um mínimo de discórdia que, muito civilizada, jamais chega ao nível da desarmonia destemperada? Trata-se de uma encontro com bolinhos, café, enroladinhos de salmão, conhaque, definida como um segundo café da manhã, reunindo homens que comungam uma mesma ideia, como se pertencessem a uma confraria qualquer.

Como todo mundo está careca de saber, em 59 A.C. o poder de Roma foi dividido entre três bacanas; Júlio César, Pompeu e Crasso. Os ...

pirro crasso roma antiga pompeu julio cesar
Como todo mundo está careca de saber, em 59 A.C. o poder de Roma foi dividido entre três bacanas; Júlio César, Pompeu e Crasso. Os dois primeiros eram generais fantásticos, enquanto Crasso estava ali mais pela sua riqueza do que pelo seu conhecimento militar. César conquistou a Gália (menos a aldeia de Asterix),
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Ataque ao império Parto CC0
Pompeu dominou a península Ibérica e Jerusalém. Crasso queria mostrar serviço e decidiu conquistar os Partos (hoje juntaria Irã, Iraque, Armênia...) porque achava que eles eram assim fraquinhos. Chegou lá com 50 mil soldados. Abandonou as clássicas táticas militares e confiando na superioridade numérica caiu numa esparrela. É que os Partos tinham uma habilidade especial; fingiam estar fugindo e lá na frente, perseguidos pelos romanos, voltavam-se nas selas e conseguiam flechar o inimigo certeiramente. A isso chamou-se o disparo Parto. Claro que foram vitoriosos e o exército romano foi dizimado. Crasso morreu ali. Daí se chamar um grande erro de erro Crasso.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança: Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre...

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Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
(Luís Vaz de Camões)


Neste mês, a Feira do Livro acontece em Lisboa com grande intensidade, reafirmando o que já sabemos: cultura não é passatempo — é identidade. E, por uma feliz coincidência, ou destino marcado nas estrelas de um céu atlântico, este mesmo período assinalou o 10 de junho: dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

Celebrar Camões é mais que recordar um nome ou uma obra. É compreender que ele vive. Sim, vive. No rumor das ondas que bateram na caravela de Vasco da Gama, no fado que ecoa das vielas de Alfama, no cheiro de sardinha e manjerico dos Santos
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Poeta Júlia Pereira Acervo da autora
Populares. Vive sobretudo naquilo que Portugal tem de mais valioso: a palavra. E é na palavra que resiste a alma.

Entre as muitas vozes que se levantaram nestes dias de exaltação da cultura, uma destacou-se com força e doçura: a poeta Júlia Pereira. Em Lisboa, onde cada esquina tem memória, Júlia não recita apenas Camões — ela convoca-o. Com uma presença angelical, voz segura e uma paixão que trespassa a pele, ela transforma os versos de Os Lusíadas em matéria viva. É Camões que fala por ela, ou talvez seja ela quem fala por Camões.

Júlia não é apenas presença em eventos — é símbolo. Quando sobe ao palco, diante de escritores, editores, leitores e curiosos, o tempo dobra-se. As suas palavras misturam-se ás do passado e criam um presente onde a cultura não é ornamento, mas sim chão firme. É por isso que a sua atuação é tão imprescindível: ela representa o lado resistente e generoso de um Portugal que não se rende ao esquecimento.

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Rose Pereira
A língua portuguesa é o fio condutor dessa memória partilhada. É através dela que os povos se reconhecem, que as histórias ganham corpo, que os sentimentos atravessam oceanos. Mas também é através dela que se trava uma silenciosa batalha. Ainda há quem deseje aprisionar o idioma, cristalizá-lo, impedir que ele respire os novos tempos. Há quem resista às expressões vindas do outro lado do Atlântico, aos sons que ecoam de África, às palavras reinventadas por comunidades que fizeram da língua portuguesa o seu abrigo.

Ignoram, porventura, que a língua é um organismo vivo, que se molda aos ventos da História. Querem uma língua pura, sem contaminações, esquecendo-se de que a própria origem do português é mestiça, feita do latim e de tantas vozes que vieram com o tempo — mouras, galegas, africanas, tropicais. O idioma que Camões escreveu já não é o mesmo que usamos hoje. E ainda bem.

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Na sua atuação, Júlia Pereira também representa isso: o poder de uma língua que se transforma, sem perder a sua alma. Ao recitar Camões, ela mostra como o clássico pode ser moderno, como os Lusíadas podem conversar com os desafios de agora — a migração, a mestiçagem, a multiplicidade. E ao misturar palavras, sons e interpretações, ela reafirma o valor da diversidade linguística dentro da própria língua portuguesa.

Nas comemorações do Dia de Portugal, em Lagos, a presidente da Comissão Organizadora do 10 de junho de 2025, a escritora Lídia Jorge, lembrou-nos com lucidez que “Camões, tal como nós, conheceu uma época de transição, assistiu ao fim de um ciclo”. E, de forma reveladora, acrescentou:

“Os Lusíadas expressa corajosas verdades dirigidas ao rosto dos poderes que elogia”. O seu discurso traçou um paralelo entre o tempo do poeta e o nosso, apontando para um “novo tempo, que está a acontecer à escala global”.
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Escritora portuguesa Lídia Jorge Acervo da autora
Não se trata apenas de uma mudança política ou econômica — é cultural, identitária, linguística. E ainda reforçou essa ideia: “O povo português é descendente do escravo e do senhor que o escravizou.” Uma verdade desconfortável para alguns, mas profundamente necessária. Portugal é mestiço, é plural, e essa consciência é essencial para compreender quem somos — e para aonde vamos. E a língua portuguesa, espelho desse percurso, carrega em si essa memória de encontros e confrontos. Por isso, aceitar as transformações da língua, as expressões que chegam dos trópicos, dos arquipélagos, das margens e das diásporas, não é uma ameaça à identidade nacional — é, antes, um reconhecimento da sua verdadeira essência. Como afirmou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa: “Recriar Portugal e, no fundo, ler os Lusíadas. Recordar o passado, mas apostar no futuro.”

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95ª Feira do Livro de Lisboa / Rose Pereira autografa livro Estava escrito, de sua autoria Acervo da autora
A aposta no futuro passa, inevitavelmente, pela aceitação da transformação. Pela compreensão de que falar português hoje é também falar com sotaques, com gírias, com palavras novas e antigos sentidos. É reconhecer que Angola, Brasil, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste são também berços da língua — e que essa língua se ergue, canta e chora em cada um desses lugares de forma única e igualmente legítima.

Camões não morreu. Porque há sempre quem o recite, quem o viva, quem o sinta. E enquanto houver uma poeta como Júlia Pereira, de voz acesa e alma inteira, Camões continuará a caminhar pelas ruas de Lisboa, a sorrir entre os livros da Feira, a acolher as novas vozes da língua que ajudou a eternizar. A língua é viva — e por isso, o poeta também o é.