Nos acompanhava na conversa o escritor Zé Ronald que, com sua tranquilidade peculiar, acenou positivamente, confirmando a história, já que foi testemunha ocular e refletia muito sobre o assunto. Questionado por Paiva se já tinha visto algo semelhante em minhas andanças, não foi preciso escavar a memória e como um lampejo, lembrei de uma viagem que fiz ao Mundo-Sertão onde vi algo surpreendente. Sem me fazer de rogado, iniciei a descrição do ocorrido: “– Era janeiro, tinha ido com o amigo historiador Eraldo Maciel para Amparo, no Cariri (sua terra natal) afim de curtir a animada festa do padroeiro São Sebastião. Eraldo era um companheiro de “guerra”; houve uma época em que não sucedia festa de rua num raio de 200km que a gente não se assanhasse; fomos a inúmeras, muito ensinamento e boas histórias para contar. Era noite de lua cheia e, quando no caminho entre Serra Branca e São João do Cariri, vi duas luzinhas vermelhas no meio do mato como olhos a refletir o farol alto do carro. Por uns dez minutos fiquei atônito; embora o rádio ligado, parecia que estava em transe, imerso naquela espécie de epifania”.
Alguns meses depois, em 31 de outubro de 2018, Paiva me convidou para participar da reunião de comemoração (com Zé Ronald) do dia do Saci lá no Café do Vento, BR 230, onde iríamos encontrar os saltitantes, me incumbindo de levar as quinquilharias: apitos, pandeiros, matracas e toda sorte de bugigangas que comprei na Feira Central e deixei no dia anterior na bodega da localidade, onde Paiva gosta de tomar um café, recomendei entregá-lo. No dia da reunião, rumei para o Cariri, sentido contrário ao encontro, buscando o elo da tradição naquele rincão interiorano, já que a aparição no Brejo estava bem documentada.
Essa entidade graciosa e zombeteira, como diz Câmara Cascudo, é um dos símbolos de nosso folclore e valorizá-lo é criar uma resistência ao dia das bruxas, de origem celta cultivada em países de língua inglesa e importado para nossas paragens.
Há um ano, arrisquei frequentar uma academia, iniciando logo na última semana de outubro. No dia 31 vi a maioria dos frequentadores fazendo sua física fantasiados de monstros e bruxas, uma cena dantesca que me fez acabar o exercício mais cedo. Genialmente Paiva escreveu: “eu, Zé Ronald e Thomas Bruno cremos que num futuro próximo, o 31/10, seja um dia especial para nossas crianças e que esses petizes criem apego pelas nossas tradições e não precisem imitar modelos vindos de outras latitudes”. E quem sabe ver na academia ao invés de monstros a Comadre Florzinha, M’boi Tatá, Pai do Mangue, Caipora, Curupira, Papa-Figo, Mão Cabeluda, Saci, etc.
É isso mesmo querido Paiva, vieste a Parahyba não só fazer essa constelação de amizades, a singeleza da valorização de nossa tradição me comoveu e não só a mim, o grande artista plástico Wilson Figueiredo fez para você uma estátua em ferro lembrando nosso saci. Um troféu mais que merecido. Mil vivas aos nossos sacis. Viva o Folclore brasileiro!
Thomas Bruno Oliveira é mestre em história e jornalista