Patos tem sido, ao longo da história, celeiro de importantes políticos. Alguns mais restritos ao âmbito municipal, outros que conqu...

O Padre Levi de Renato Carneiro

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Patos tem sido, ao longo da história, celeiro de importantes políticos. Alguns mais restritos ao âmbito municipal, outros que conquistaram nome estadual e um ou outro que atingiu alguma projeção nacional, a exemplo de Ernani Sátyro, que teve reconhecida atuação parlamentar na Câmara dos Deputados, notadamente durante o período da ditadura militar pós-1964, à qual serviu com fidelidade. E por ter tido inequívoco destaque nacional e ter exercido o governo da Paraíba por quatro anos (1971-1975), Sátyro provavelmente foi o político patoense de maior destaque a partir da segunda metade do século XX, talvez em todos os tempos. Em política, como se sabe, o mais das vezes a importância deriva mais dos cargos ocupados que das pessoas que os ocupam, se bem que, no caso particular de Ernani, ele possuía valor pessoal, sim, inclusive o literário, autor que foi de obra respeitada.

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Ernani SátiroFunes
Contemporâneos de Sátyro, não se pode deixar de mencionar os nomes de Padre Vieira, Edvaldo Mota, Múcio Sátyro, Rui Gouveia, José Gayoso, José Cavalcanti, Olavo Nóbrega e Padre Levi Rodrigues. Certamente estou esquecendo alguém, mas de modo geral foram estes os políticos de Patos de maior projeção naquele período. Cada qual com a sua marca individual, como não poderia deixar de ser. Padre Vieira, o sacerdote-educador, chegou à Câmara Federal; Edvaldo Mota, brincalhão e espirituoso, também chegou a deputado federal; Múcio Sátyro, homem discreto, representava lealmente o tio Ernani na cidade e no Estado; Rui Gouveia, aguerrido opositor dos militares; José Gayoso, temperamento forte, de marcante presença parlamentar; José Cavalcanti, parecido com Edvaldo Mota nas brincadeiras e espirituosidades; Olavo Nóbrega, sóbrio e elegante, um gentleman das Espinharas; e Padre Levi, sacerdote a serviço dos mais pobres, heteredoxo na religião e na política, tinha o seu quê de populista e de ator, como muitos dos seus pares, provavelmente mais um personagem que uma personalidade.

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Padre Levi Diocese de Cajazeiras
Pois destes ilustres todos, foi do último, o Padre Levi, talvez o menos provável, que resolveu se ocupar intelectualmente o historiador e jurista Renato César Carneiro, patoense de nascimento, professor de Direito e membro do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, sem falar de seus valiosos serviços prestados na área da Justiça Eleitoral. O resultado dessa ocupação trabalhosa é o livro Deus e o Diabo na “Morada do Sol” – as campanhas eleitorais de Padre Levi, Mídia Gráfica e Editora, João Pessoa, 2022, volume tornado valioso para o estudo e a compreensão da política e da sociedade de Patos nos anos 1970, verdadeiro painel cultural, em sua acepção ampla, do lugar, sua gente e suas lideranças.

Padres e médicos sempre tiveram destacadas atuações políticas nos lugares onde trabalham, mormente nas cidades do interior. Atuam como candidatos ou não – mas atuam, tanto no altar como no consultório. Costumam ter amplas clientelas e, por consequência, muitos ouvintes, o que lhes proporciona uma invejável capacidade de influenciar pessoas, em favor de si mesmos ou de terceiros, mais de si próprios o mais das vezes. Em Patos, permanecem na memória dos mais idosos Padre Vieira, Padre Assis e, claro, Padre Levi. Todos falaram aos patoenses das mais diversas tribunas: no altar, no rádio e no comício, mas principalmente, e tendo em vista objetivos político-eleitorais, cochicharam ao pé do ouvido dos seus conterrâneos.

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Padre Vieira / Padre Assis CC0/@malta.pb.gov.br
Segundo Renato Carneiro, Padre Levi, enquanto religioso e político, sempre gostou de promover deslocamentos coletivos de seus fiéis e eleitores, para além dos moldes tradicionais da procissão, da passeata e da carreata. Quando pároco em Coremas, antes de ingressar na política, por exemplo, “liderou uma procissão de canoas nas águas do maior açude do Estado, com quase 1,5 bilhões de metros cúbicos”. Doutra feita, já em Patos, saiu à frente de ciclistas pelas ruas da cidade. Mas nada se comparou, claro, à célebre “passeata dos jegues”, promovida pelo padre candidato a prefeito da “morada do sol” em 17 de setembro de 1972, “numa tarde quente de domingo” que entrou para a história local, paraibana e brasileira, repercutindo até no exterior. Pois é essa tal passeata de jumentos que centraliza o livro do pesquisador, mas sem monopolizá-lo, porque o autor vai muito além dela, de suas implicações eleitorais e folclóricas. Afinal, trata-se de um historiador e não apenas de um contador de histórias. Este um dos méritos principais da obra, ao lado do estilo agradável e fácil da escrita, aliciador de leitores.

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Padre Vieria na Passeata dos Jegues (Patos, PB)
Romildo Sousa
Os jumentos, talvez por não votarem, não conseguiram dar ao padre a eleição tão cobiçada. Mas essa era uma derrota de certo modo previsível, como o livro mostra, a despeito do trabalho que deu. O governador não podia perder em sua terra natal e o governo federal não admitiria um fracasso tão público de seu representante no Estado. Portanto, como costuma acontecer em situações semelhantes, todas as armas foram usadas para assegurar a vitória do candidato oficial, um empresário de pouco carisma e nenhuma tradição política, apesar de decente e de ser um bem sucedido empreendedor. Para o bem ou o mal da cidade, o fato é que o padre inovador – e presepeiro - perdeu.

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Renato César Carneiro
@Jordan_Bezerra
O autor segue ainda o objeto de seu estudo em sua rápida passagem pela Assembleia Legislativa, acompanhando-o até seu ocaso político. O livro é também recheado de situações engraçadas e frases pitorescas do Padre Levi, sem descuidar dos personagens que gravitaram ao seu redor durante sua atuação patoense.

Andavam meio esquecidos o padre e os seus contemporâneos. Meio século passou desde aquela já longínqua tarde domingueira da passeata inusitada. Já era mesmo tempo dos historiadores voltarem seus olhos estudiosos para aqueles acontecimentos e seus atores. Foi o que fez, com graça e competência, o professor Renato César Carneiro, ressuscitando um mundo extinto.

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  1. Parabéns pelo fidedigno comentário do livro excelente do professor Renato Carneiro.

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