Todas as vezes quando passava pela região, depositava demorado olhar sobre a paisagem cantada pelo poeta Zé Ramalho, mas nunca demorei a contemplá-la. Se a Pedra de Turmalina, observada da soleira da casa-grande, nos encanta e emociona, foi em Riacho dos Cavalos onde completei a visão que alimentou a minha curiosidade e agora recordo com renovada emoção.
O lugar não é diferente dos demais daquela região sertaneja, no entanto, algo chamou a atenção, e passaria despercebido se não observasse com os olhos do coração.
Catolé do Rocha Pedro Nunes Filho
A lição é a seguinte: pode-se viver com tão pouco. Cansado de trabalhar para os outros, com a economia de dinheiro, Chico Nego comprou uma nesga de terra. Menos de um hectare, um pedacinho. Para ser exato, foram novecentos metros quadrados de terra em meio a vegetação degrada, em área morta aos olhos dos sem perseverança.
Alguns anos depois, esse terreno transformou-se em pequeno paraíso, um Shangri-La no Sertão paraibano. É dali que o agricultor retira, com a resistência do muque, o sustento da família. A multiplicação das sementes na terra fértil ocorreu porque seguiu as orientações técnicas para o plantio de sua lavoura.
Na propriedade tem de tudo um pouco. Durante nossa visita, no roçado encontramos feijão, batata-doce, macaxeira, hortaliças. Um barreiro para criar peixe, um poço artesiano fornece água usada na irrigação da terra no sistema de gotejamento, além de criações de galinha e guiné, cabras e uma vaca que fornece leite e queijo, comercializados na cidade.
Catolé do Rocha Pedro Nunes Filho
Meu parente João dos Anjos, de Serraria, região menos propicia ao verão prolongado, é privilegiado na convivência com a Natureza. Este não se preocupava com a falta de água, que recolhia da cacimba nas terras do vizinho. O esterco para adubação da terra era abundante. Ao contrário de Chico Nego, residente em Riacho dos Cavalos, que ao redor de casa encontrava vegetação morta e cascalho reluzente à luz do sol.
Admira o trabalho destes agricultores porque com tão pouca terra, produzem o suficiente para o sustento da família. Eles plantavam e tudo se multiplicava como o maná no deserto, quando o profeta saciou a fome de muita gente.
Ronildo Photoz
- Basta acreditar e não ter preguiça...
Respondeu, enquanto removia o boné da cabeça – hoje quase não se usa chapéu, mesmo residindo no campo –, olhou para o Céu e apontou uma capelinha a 500 metros de distância, construída em elevado de terra, próximo ao sopé da serra coberto de gravetos secos. Ali o padre celebra missa a cada dois meses.
Fiquei calado.
Durante a conversa, seu filho e dois netos pequenos percorriam canteiros para retirar o tomate, a beterraba, o coentro, o maxixe, couve e o quiabo para vender na feira, enquanto os pingos da água irrigada chegavam às plantações, aspergindo a todos.
Em outra ocasião, andando pelo Sertão, caso idêntico chamou a atenção e lembro disso para falar de partilha e de camaradagem.
No município de Prata, no Cariri, de paisagem semelhante a Riacho dos Cavalos, um cidadão comprou terreno medindo 20 metros de largura por 60 de extensão, construiu casa, criava cabras e produzia leite. Nesse espaço, cedeu lugar para vizinho criar uma vaca com bezerro.
Novamente fiquei calado.