O irreal e a suspensão da credulidade – sexto tratado poético-filosófico”* de W.J. Solha, recentemente publicado pela editora Arribaçã...

O irreal e a suspensão da credulidade

solha literatura poesia paraibana
O irreal e a suspensão da credulidade – sexto tratado poético-filosófico”* de W.J. Solha, recentemente publicado pela editora Arribaçã, é obra de inegável importância no contexto de nossa época. O autor oferece ao leitor uma visão totalizante configurando em unidade seus vários aspectos aparentemente distantes ou desencontrados. Essa sua maneira de tentar fornecer um sistema de compreensão. Aí e, para além de diferenças acidentais, o fundamento básico da poesia deste livro.

Forçoso concordar com Hildeberto Barbosa Filho, que sobre ele escreveu: “uma reflexão, ao mesmo tempo vertical e dilacerada, sobre os caminhos e os descaminhos das criaturas humanas na sua permanente e incontornável persecução de uma lógica para os fenômenos, de um sentido para a misteriosa e opressiva necessidade de existir.” O volume, para deleite extra do leitor, é enriquecido inclusive, à guisa de posfácios, com textos de três nomes expressivos na literatura brasileira contemporânea. O já citado Hildeberto Barbosa Filho, José Eduardo Degrazia e Ronaldo Cagiano.

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Hildeberto Barbosa Filho, José Eduardo Degrazia e Ronaldo Cagiano Facebook
O autor criou obra de categoria literária absorvente, tentacular: assimila tudo quanto lhe passa ao alcance e emprega modalidades expressivas sem perder a unidade, integrando-as em sua massa como se fosse o mero desenvolvimento de sua matéria-prima. E por isto mesmo, adota os mais variados instrumentos expressivos, o discurso, a narração, a digressão, as associações etc. com absoluta liberdade e sem perder sua integridade e unidade.

Sob a égide mitológica e milenar do “olho de Hórus”, símbolo egípcio que, ao longo dos séculos, traz o significado de percepção, clarividência e elo entre mundos, o autor constrói seu universo.
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huyvinhnhon
Como diria Fernando Pessoa em “Tabacaria”, “a terra inteira, / mais o sistema solar e a Via-Láctea e o indefinido”. Tende para o épico dispondo em partes o pensamento dentro de uma clave de dilatação do “eu” ao infinito de suas possibilidades, a ponto de romper suas próprias barreiras e invadir o plano do “não-eu”. Louvável esforço de visualizar a realidade dum prisma cósmico, totalizante. Uma poesia notoriamente universalista, porque interessa-se também pelo sentimento e conhecimento simultâneo da perfeição e harmonia do Cosmos.

Um longo poema de 76 páginas no qual, observe-se: irmanam-se sentimento e conhecimento, pois intervêm concomitantemente a emoção como categoria poética fundamental, e a inteligência, como faculdade necessária ao processo de conhecimento. O autor busca costurar o “mistério” da harmonia universal, através dum jogo contínuo de contrastes. Vai das produção artística feita pelos hominídeos durante a Pré-História à tal da inteligência artificial, dos mitos ancestrais à comunicação de massa, da argila que o homem moldou seu pensamento em tempos imemoriais às viagens interplanetárias, dentro de uma dimensão estética que visa vencer a angustiante fugacidade do homem e das coisas. De fato. “Uma sólida e severa investigação acerca da viagem humana.”

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Adel Ghabour
Três exemplos. Estrofes colhidas ao longo do poema, sem muita dificuldades.

“Somos, coitados: engraçadamente, desgraçadamente limitados. Mas há uma beleza nas manipulações das muitas limitações de nossa natureza, como o branco-e-preto jamais obsoleto – sempre exaltado – de filmes como A Lista de Schindler, fotos de Sebastião Salgado.” (P. 46) “Daí que – mais uma vez – gracias quiero dar ao aparente inacabamento – irreal – fundamental do conhecimento, ue se vê também nas pequenas coisas, como na... solidão – que nos comove – da mulher enlutada a cruzar a ponte levadiça, em Arles, século XIX, sem saber que lhe faz companhia o Van Gogh, uns trinta metros – à esquerda – atrás dela, e que a inclui na tela, sem saber que eu e você agora “vemos os dois, tanto tempo / depois.” (P. 49) .... a sina – clara como um paradigma – do ser humano é decifrar o enigma! P. (56)

O autor tenta “decifrar o enigma”. Para tanto Solha se vê compelido a adotar uma atitude parafilosófica, de compreensão da harmonia cósmica semelhante à que informa os sistemas filosóficos. Uma ânsia de conhecer as magnas questões que povoam o universo e circundam o homem conduzindo-a a plasmar no poema, e de forma metafísica, um sistema de apreensão, uma mundividência peculiar. O cosmos e o homem. Consegue intuir a legião de contradições, antíteses, contrastes e “mistérios” que nos cercam. Entende e reduz a uma síntese tão perfeita quanto possível, que os harmoniza e lhes empresta uma ideia de unidade. A poesia, assim colocada em seu mais alto grau, torna-se ao mesmo tempo anunciadora, reveladora e condutora. Com isso o poeta acaba sendo veículo expressivo de uma concepção global do universo e do homem. Não é este também o objetivo da Filosofia? O que torna a poesia, em geral e sobretudo a poesia de “O irreal e a suspensão da credulidade”, inextricavelmente relacionada a ela.

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Waldemar J. Solha Acervo pessoal
Nesse poema, o que brota é, sem dúvida, uma cosmovisão totalizante do poeta, mas também de toda a gente, de seu povo, de toda a humanidade. O “eu” se transfigura, transborda, funciona como uma espécie de grande tela onde se projetam os “eus” da humanidade. Há uma notória intenção no sentido de captar e expressar as grandes e perenes angústias do homem. Decorre daí sua profunda universalidade. Em suma e repetindo. O autor é mestre em aliar inteligência e sensibilidade em grau superlativo. Um poeta que sente e pensa o que sente, ou sente o que pensa, pensa-sentindo ou sente-pensando, ao modo de um Fernando Pessoa ao afirmar que “o que em mim sente está pensando”. Significa que pensar envolve sentir e vice-versa.

Por tanto que assinalamos até aqui, pode-se sem favor, incluir o senhor W.J. Solha na galeria dos grandes poetas da atualidade. Retrata com desenvoltura o sentimento humano universal desses nossos tempos tresloucados, de que a maioria da humanidade não toma consciência, ou toma consciência sem conseguir comunicar, e do qual o poeta faz a sua arte de uma maneira muito clara e transparente. Em suma, uma poesia épica do mais alto valor.

* Livro: “O irreal e a suspensão da credulidade – sexto tratado poético-filosófico” – Poesia de W.J. Solha – Editora Arribaçã – Cajazeiras – PB., 88p. – ISBN: 978-65-6036-047-1

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