Augusto dos Anjos, sabe-se, morou na capital paraibana, então chamada de Paraíba, no período que vai de 1908 (ano da morte de Mach...

Augusto e Milton passeiam juntos pela Rua Direita

augusto anjos poesia paraibana
Augusto dos Anjos, sabe-se, morou na capital paraibana, então chamada de Paraíba, no período que vai de 1908 (ano da morte de Machado de Assis) a 1910. A rigor, não teve uma casa para chamar de sua, tantas foram as suas moradas, principalmente na Rua Direita (atual Duque de Caxias). Como bem disse José Américo em célebre palestra, o poeta estava sempre “pulando de uma casa para outra, nas ruas da Capital”, o que certamente retratava a instabilidade financeira,
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Faculdade de Direito (Recife) Caio Fernandez
profissional e pessoal do homem triste que não logrou fixar-se em nossa aldeia, a despeito de ter tudo para isso: um berço senhorial (não importa se decadente), um diploma de bacharel em Direito pela prestigiosa Faculdade do Recife, inteligência e talento mais que provados nas páginas dos jornais da época. Às vezes penso que tudo tinha de ser assim – difícil - para ele, para que do sofrimento e das dificuldades pudesse brotar o Eu, sua obra única e imortal. Quem sabe, tivesse tido ele sucesso na província, bom emprego, bom salário, reconhecimento e prestígio social, tivesse se perdido para as letras – as altas letras, diga-se -, como tantos valores costumam se perder na volúpia das facilidades e na preguiçosa acomodação da bonança. A felicidade, que eu saiba, nunca gerou grande arte. Não sei a razão, mas é assim. E talvez foi por isso que alguém já escreveu que “só os idiotas são felizes”. Será?

Mas voltemos a Augusto, nosso sem-teto genial. As casas que habitou brevemente na Rua Direita deveriam estar lá, inteiras, conservadas e cada qual com uma placa de bronze ou de mármore informando aos
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Rua Direita (PB) Gilberto Stuckert
transeuntes que ali morou um dos grandes da poesia brasileira e universal. Tal como acontece nas cidades da Europa, principalmente Paris, onde as casas, as ruas, os prédios e os logradouros contam por si mesmos a história local e da França. Infelizmente, não é isso que acontece, não é isso que vemos ao caminhar por aquela que já foi a mais importante rua pessoense, endereço de lojas e residências de nossa elite de outrora, hoje um triste espetáculo de ruínas e de urbana degradação. Onde estão as antigas casas de Augusto?

É isso que o professor e escritor Milton Marques Júnior quer saber (como nós também) de forma concreta e, dentro do possível, indiscutível, de modo a que, com essa árdua e trabalhosa identificação, possam os poderes públicos – e a própria população – tomar as providências necessárias à recuperação e preservação dessas habitações augustianas, devolvendo-as à vida, à cidade e à cultura paraibana e brasileira. É isso que está na base da mais recente publicação do mestre greco-romano, o instigante livro Ei-lo pulando de uma casa para outra, nas ruas da Capital - Um roteiro de Augusto dos Anjos, nas ruas da Paraíba, Editora Ideia, João Pessoa, 2023.

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Milton Marques Jr Helio Costa
Poder-se-ia dizer que, com o seu empenho, o professor Milton quer dar não uma, mas várias casas ao poeta andarilho, que tanto peranbulou por nossas ruas aldeãs, pelas do Recife, onde estudou, pelas do Rio de Janeiro e de Leopoldina, onde morou temporariamente, sem nunca encontrar um pouso estável e definitivo. Louvável, pois, essa solitária iniciativa (que deveria ter sido de muitos, principalmente dos políticos) que, aos poucos, vai atraindo a atenção e o interesse de outros, podendo vir a resultar, queira Deus, em verdadeiro movimento coletivo em favor da memória do poeta e da cidade. Para Milton, sem nenhum desapreço pelo militar, dever-se-ia mudar o nome da Duque de Caxias para Rua Augusto dos Anjos, conferindo ao maior nome das letras paraibanas a homenagem que até hoje a capital não lhe fez, pelo menos à altura de seu merecimento. Que ao Duque se conceda outro lugar de semelhante destaque, mas que a tortuosa Rua Direita seja consagrada ao gênio do Pau-d’Arco, que ali viveu intensamente. Seria essa, sem dúvida, uma maneira, dentre tantas outras, de a Paraíba reparar as eventuais injustiças que tenha cometido outrora contra um de seus mais ilustres filhos, que daqui saiu praticamente enxotado, como um retirante desvalido.

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Hildeberto Barbosa Filho Acervo pessoal
Já outro grande poeta, nosso Hilbederto Barbosa Filho, entendeu, liricamente, em belíssimo poema juntado por Milton ao seu novo livro (páginas 61 a 64), que “os poetas não têm casa. Inútil procurar a casa de Augusto. Os poetas residem no ar rarefeito da biosfera”. E agora? Como conciliar tudo isso: Augusto que, de tantas casas, não teve nenhuma; Milton que se esforça para dar-lhe oficialmente ao menos as da Rua Direita; e Hildeberto que, na sua sagrada e irretirável prerrogativa poética, dispensa o primeiro (e todos os poetas) de qualquer endereço terrestre?

Modestamente, como simples leitor de Augusto, de Milton e de Hildeberto, além de pessoense da gema, não vejo dificuldade, pois tudo se complementa, sem atrito. Que se identifiquem e se recuperem as casas augustianas na Rua Direita e que até se mude o nome da rua para
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Milton Marques Jr Helio Costa
dá-lo a quem mais merece. E que ao mesmo tempo, sem nenhum prejuízo para nada nem para ninguém, reconheça-se e louve-se a alta beleza artística e lírica dos versos hildebertianos, cuja intenção (está à vista) jamais foi, em nenhum momento e em nenhum aspecto, contrapor dois conceitos que, na vida e na arte, necessariamente se irmanam: o orbi e a urbe, as estrelas e o chão. Diria mais, sem prejuízo das demais iniciativas e entendimentos: a definitiva casa de Augusto é, afinal, seu Eu, monumento literário destinado a atravessar os séculos, enquanto existir a língua portuguesa. Essa casa, feita não de tijolos mas de poemas imortais, não pode ser degradada nem demolida; nela, Augusto reside e repousa para sempre, independentemente de tudo o mais.

Parabéns, portanto, a Augusto, a Milton e a Hildeberto, três gigantes que a aldeia, normalmente plana, deu de presente ao Brasil, quiçá ao mundo.


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