Proust viu “Em Busca do Tempo Perdido” recusado por vários editores, apesar da sua disposição de pagar a edição e de lhe financiar a ...

Nem todo mundo vê, de cara, uma obra como obra-prima

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Proust viu “Em Busca do Tempo Perdido” recusado por vários editores, apesar da sua disposição de pagar a edição e de lhe financiar a publicidade. “Sua obra é velha”, disseram-lhe: “ultrapassada, burguesa e alienada”.

Francis Scott Fitzgerald tinha, pendurados em seu quarto, 120 bilhetes de recusas para publicação de seus contos.

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James Joyce CC0
James Joyce teve seu “Retrato do artista quando jovem” devolvido por vários editores, com alegações tipo “Belo trabalho, mas não se paga”. Wittgenstein, que abalou o pensamento filosófico do século passado, recebeu repetidos comunicados dos editores, dizendo que não entendiam uma só palavra do que ele havia escrito.

D. H. Lawrence teve seu mais famoso romance – O Amante de Lady Chatterley recusado pelo editor, “por ser muito arrojado”.

McLuhan teve sua principal obra – O MEIO é A MENSAGEM - recusada pela coleção Adelphi, italiana, sob alegação de que era “um livro de um pequeno louco”.

O mesmo se deu com “Lolita”, de Nabokov, que foi originalmente rejeitado por todos os editores americanos.

O mesmo se deu com Melville e seu extraordinário MOBY DICK. Já T. S. Eliot recebeu o seguinte bilhete do editor John Lane: “Sua obra é brilhante, mas não pertence ao gênero que adicionamos ao nosso catálogo”.

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Elio Vittorini CC0
Affonso Romano de Sant´Anna tem um artigo definitivo sobre o tema - “Obras-primas Recusadas” - em que enumera, além dos casos acima, os de Bernard Shaw, Céline, Irving Stone, Cummings, Italo Calvino, Gertrud Stein, Moravia, García Márquez e até o caso de George Orwell, inclusive o de “O Leopardo” de Giuseppe Tomasi di Lampedusa: É que o escritor Elio Vittorini, usando sua influência politica, interditara-lhe a obra nas editoras Mondadori e Einaudi.

Às vezes é o público que baixa o polegar à novidade. A "Sagração da Primavera", balé composto por Stravinsky, recebeu vaia estrondosa na estreia, em 1913.

Pior foi o caso de Rachmaninoff. Lançou, em 1897, em Petersburgo, sua Primeira Sinfonia e sofreu um revestrés enorme. Além do fiasco, na manhã seguinte leu um comentário terrível a seu respeito, num dos jornais da cidade: ‘Se no inferno existisse um Conservatório, Rachmaninoff ganharia o primeiro prêmio.’ O compositor caiu numa depressão de que não foi capaz de sair durante dois anos.

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Casa Milá (A Pedreira)
Theodor Vasile
E Gaudì: não foi um deus da arquitetura? Uma de suas criações, a Casa Milà, – mais conhecida como “La Pedrera” – é a construção mais famosa de Barcelona. Mas la señora Milà foi contra a obra desde o princípio, por não tolerar “as extravagâncias” do arquiteto, de que seu marido gostava tanto. Mal Gaudì faleceu, a mulher tomou conta do edifício e alterou, dele, o máximo que pode. Mais ou menos como Stálin fez com o “Outubro” de Eisenstein.

Já Guimarães Rosa, participou de um concurso literário promovido pela José Olympio, em 1937, com o livro de contos “Sagarana” e, apesar do apoio de Graciliano Ramos, que fazia parte da comissão julgadora, foi derrotado por um autor hoje desconhecido. Isso foi bom, pois o grande mineiro retrabalhou a obra até 1946, enxugando-a de quinhentas para duzentas e trinta páginas, deixando-nos um clássico da literatura brasileira.

Já a torre Eiffel, quando começou a ser construída, Guy de Maupassant e Alexandre Dumas Filho encabeçaram um manifesto, publicado nos principais jornais da França, que começava com estas palavras:

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Martin Bennie
— Nós, escritores, pintores, escultores, arquitetos e amantes das belezas de Paris
— que até então estavam intactas – protestamos com toda nossa força e toda nossa indignação em nome do subestimado bom gosto dos franceses, em nome da arte francesa e da história sob ameaça, contra a construção, no coração de nossa capital, dessa inútil e monstruosa torre.

“A Última Ceia”, de Leonardo, estava bastante deteriorada, é verdade, mas era “A Última Ceia” de Leonardo. Meteram-lhe, porém, uma porta mesmo no meio da mesa, sem a menor consideração. Já o local programado para a grande tela “A Ronda Noturna”, de Rembrandt, era o Grande Salão da sede municipal da Companhia de Arcabuzeiros da capital holandesa. Mas em 1715, por conta do descontentamento de alguns dos retratados, foi transladada. Pra encaixar o quadro no espaço disponível, cortaram-lhe – sem o menor pejo - uma faixa de cada lado e outra em cima, eliminando três das personagens da cena.

Encerrando:

O jornal The Sunday Times, de Londres, remeteu a várias editoras e agentes editores do Reino Unido os capítulos iniciais de dois livros que tinham vencido o Booker Prize, a maior premiação do gênero na Inglaterra, nos anos 70 : “Holiday”, de Stanley Middleton, e “In a Free State”, de V. S.Naipaul, este ultimo vencedor do Nobel em 2001. Com títulos e autores falsos, as propostas receberam vinte e uma respostas, apenas uma positiva.

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  1. Seu texto, Solha, além de informativo e saboroso, nos faz refletir sobre a impermanência das coisas e particularmente dos julgamentos humanos. Bravo! Francisco Gil Messias.

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