Santino. Menino que nasceu nas margens tortas da sangria de um açude a certa distância do fim da cidade. Mais do que “ponta-de-rua”, foi para ali que a prefeitura – a propósito de se inserir no desenvolvimento da Sudene e se colocar como moderna – escondeu parte de sua miséria tangendo aquela massa crescente de desassistidos dando um pequeno suporte em madeira, zinco e tudo de mais de quinquilharia que era possível carregar dos velhos galpões da prefeitura. A ordem era “limpar” o terreno para novas ocupações e essa horda de infelizes que se virasse de alguma maneira.
Com cinco ou seis anos, com belo sorriso e face angelical, Santino passou a assistir a uma aula ofertada por uma vizinha para aqueles meninos pobres, eram suas primeiras letras. Naquela época, houve um surto de cólera que assolou toda a região e a população do centro da urbe utilizava as rádios para vociferar todo tipo acusação, condenando o que eles chamavam de ralé do morrinho do açude, culpando-os de ter contaminado aquelas águas e espalhado a chaga que levava almas diariamente. – Mãe, passou um homem de carro e me chamou de ralé. Disse Santino. – Deixa estar meu filho, deixa estar.
Na precária escola, o pequeno Santino alheio ao que estava acontecendo, é puxado para um canto com algumas tábuas por dois garotos mais velhos que aproveitaram a ingenuidade daquela criança para brutalmente mudar seu destino. Sua mãe não deu atenção ao pouco de sangue na roupa do menino; já o padrasto,
Os acontecimentos se uniram a toda sorte de dificuldade. Em desvantagem com relação aos seus irmãos maiores, quase sempre tomavam seu quinhão de comida e a fome o acompanhava. Raquítico, vivia a tropeçar nas próprias pernas, desajeitadinho que era. Certa vez com seu pai, parou em um bar e presenciou uma discussão entre ele e o atual padrasto que desferiu uma punhalada no pescoço, assassinando seu pai. O real motivo da discussão tinha sido a ação nefasta do padrasto e a vingança não se consumou. Sem entender direito tudo o que se passava, sequer o que era a vida, Santino criou seu próprio mundo, um mundo-paralelo em que nada se parecia com a realidade. Sem a atenção devida, passou a perambular no mato comendo frutinhas que encontrava. Muitas vezes o menino era visto no balde do açude balançando as perninhas, outras vezes ele se equilibrava entre velhos tijolos com as mãos estiradas, sempre cantando com a vozinha fina um cântico qualquer. Uma vizinha viu de sua janela o garoto ao longe e exclamou: “– pobre miserável, tadinho. Sem ninguém que o acuda, é capaz de morrer “do cola” (como dizia a maioria dos matutos) brincando nesse açude”.
Santino. Um menino anjo tão puro que nem sequer foi consciente da própria desgraça em que viveu. Um menino Deus, com nome santo, criador de seu próprio mundo onde lhe era possível existir.