No Dicionário de Língua Portuguesa (Houaiss:2001,p. 1740), o verbete lembrar é definido como trazer algo à memória (própria ou de ou...

Lembranças

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No Dicionário de Língua Portuguesa (Houaiss:2001,p. 1740), o verbete lembrar é definido como trazer algo à memória (própria ou de outrem); recordar, relembrar. E lembrança, de acordo com o filólogo, é aquilo que ocorre ao espírito como resultado de experiências já vividas, reminiscências. Vivenciei essa experiência ao abrir uma caixa cheia de lembranças do passado. Lá encontrei, no meio de vários livros, cartas, cartões, uma entrevista com um escritor.

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Celyn Kang
A coleção de livros de Guimarães Rosa que não conseguia localizar estava na caixa esquecida, e me lembrei dos contos de Tutameia, lidos e analisados nas aulas de Teoria Literária, entre eles Desenredo com o personagem Jó Joaquim, “bom como cheiro de cerveja” e a mulher que assumia diferentes nomes. Grande Sertão & Veredas, com anotações nas bordas das páginas, fazia companhia àquela coleção comprada em diferentes fases da minha vida.

Havia também dois livros de Clarice Lispector: Para não esquecer (crônicas), De corpo inteiro (entrevistas). O primeiro é considerado um livro de crônicas, mas há textos que mais se aproximam de um mini conto, como este: A ceia divina – Laranja na mesa. Bendita a árvore que te pariu. O segundo contém entrevistas que remontam ao período de Clarice como jornalista. Alberto Dines, na apresentação, procura demonstrar que a autora sabe do verdadeiro valor de uma entrevista. E diz o jornalista: “A arte de entrevistar é a arte de ouvir. Some o entrevistador e só fica o entrevistado. Então a entrevista converte-se num retrato”. Clarice era mestra no conto, no romance e no jornalismo.

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Encontrei outro livro que não foi escrito por Clarice, mas é uma biografia da escritora – Eu sou uma pergunta, de Teresa Cristina Monteiro Ferreira. Este tem um significado especial para mim a começar pelo oferecimento:

Biografia: a melhor maneira de penetrar no interior de alguém, com discrição. A Neide no momento em que assume uma nova dimensão. A bordo da Rio-Sul, em 2/5/99.

Esta data foi muito importante na minha vida, estava regressando de Araraquara onde tinha ido defender a tese de doutorado. O livro foi comprado na Livraria La Selva no aeroporto de São Paulo.

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Marcos Bagno UnB
Na caixa cheia de coisas do passado, não poderia faltar livros de literatura infantil e lá estavam O papel roxo da maçã e Um céu azul para Clementina, de Marcos Bagno.

Conheci Marcos Bagno em Recife como aluno do mestrado em Linguística na UFPE, era escritor de literatura infantil. O papel roxo da maçã foi um dos seus primeiros livros para crianças, ganhou o prêmio Nestlé de Literatura em 1989 e foi considerado Altamente Recomendável pela FNLIJ no mesmo ano. Nesse período eu lecionava Literatura Infantil na UFPB (João Pessoa) e convidei-o para fazer uma palestra na minha turma, ele veio e foi nessa ocasião que fiz a entrevista que conservo até hoje. O papel está amarelado pelo decorrer do tempo. Dei o título: Marcos Bagno: um esteta da palavra e devo ter publicado em algum local. Onde? Não sei.

Transcrevo uma das perguntas que fiz ao escritor:

NMS: Você diz que é incapaz de desenhar uma cobrinha, contudo a presença das cores é uma constante em seus livros. Como justificar o apelo ao pictórico? MB: Talvez pelo fato de ser poeta (ainda inédito, é verdade). O poeta é um pintor sem palheta, cria paisagens só com as palavras, esculpe estátuas com o uso de imagens. Já antes de Cristo, o poeta latino Horácio, em sua arte poética fazia esta comparação entre poeta e pintor.

Seguem-se muitas outras perguntas todas respondidas com muita acuidade crítica.Bagno publicou muitos outros livros para crianças, para jovens livros de poesia e de Linguística. Atualmente é professor na UNB.


Há cartas e cartões de parentes e amigos, todas revestidas de afeto, de palavras carinhosas, como as da cunhada Brígida Guimarães. Uma carta de uma amiga reclamava a falta de notícias, estávamos no tempo das cartas trocadas através dos correios. Desculpei-me pela ausência prolongada e dei notícias.

Foi uma grata surpresa abrir essa caixa, me deparar com lembranças afetivas e reviver um passado que deixou boas recordações.

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