Enquanto observávamos o espaço onde estão os livros e outros objetos, guardados com esmerado cuidado depois da passagem do seu marido...

As janelas de Neide

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Enquanto observávamos o espaço onde estão os livros e outros objetos, guardados com esmerado cuidado depois da passagem do seu marido, a professora e imortal Neide Medeiros mostrava sua produção de quadros tendo as janelas como tema, pintados em momentos de rara inspiração. Ela trabalha com pinturas figurativas, rostos humanos, mas são as janelas guardadas na memória que estão presentes em suas aquarelas.

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Vincenzo Irolli (c. 1900)
Neide revelou que o gosto de observar o mundo pelas janelas vem desde o tempo de criança. Demonstra tanto apego por elas que, num impulso, começou a pintar janelinhas e a escrever poemetos, alguns usados como ilustrações de sua produção literária.

Suas pinturas participaram de uma exposição em 2010. Algumas janelinhas, transformadas em cartões-postais, adornam casas com silenciosa poesia.

As janelas são um atrativo a mais na vida das pessoas. Quem não gosta de se debruçar na janela para ver o tempo passar ou observar a vida lá fora? Da janela, olha-se o mundo: o mundo ao largo ou o mundo interior.

O diretor de cinema John Ford usou a janela para mostrar novos conceitos de observação do que se passa lá fora, trazendo para dentro de casa a paisagem perdida na vastidão do deserto do Arizona antigo, de forma poética, mesmo que devastada.

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Cenas de O Sol Brilha na Imensidão (John Ford) Mubi
As janelas indiscretas guardam segredos que, mesmo com o uso de binóculos, é possível decifrar. Fotógrafos do mundo inteiro têm dedicado atenção especial a registrar seu olhar a partir da perspectiva da janela.

Uma fotografia de Antônio David, de tempos atrás, mostrando Gonzaga Rodrigues na janela de sua antiga casa em Alagoa Nova, olhando o mundo da sua infância, traz uma profunda saudade. O olhar de Gonzaga se perde na imensidão dos canaviais sobre as serras, esperando o entardecer, que parece nos cobrir com sua sombra.

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Harald Slott-Moller
As janelas de Tapuio continuam abertas na minha lembrança, de onde víamos a vida passar pela estrada que nos levava a Serraria, Arara e Solânea.

“Sempre tive uma predileção pelas janelas. Elas me acompanham desde o tempo de criança e adolescente, quando olhava a movimentação da nossa cidade”, recorda a professora Neide.

As janelas são como as cachoeiras: recordam a vida pelo som que deixam penetrar em quem está perto. Mesmo que a cachoeira seja pequena, a música da queda da água faz bem à nossa alma. Assim como o vento que entra pelas janelas traz emoção, as cachoeiras são janelas que convidam à contemplação do mundo ao seu redor.

Assim como os poetas, com ousada sensibilidade, os pintores usam as janelas como metáforas para olhar o mundo, para mostrar a esperança ao largo.

A janela convida à contemplação nos mais variados aspectos humanos. Da janela é possível observar muitas coisas.

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Odo Dobrowolski
Para o poeta Mário Quintana, quem escreve um poema abre uma janela. Sendo assim, quem pinta uma janela abre espaço para a entrada da brisa que aquece a alma e perfuma o ambiente.

Entre quem escreve um poema e quem pinta uma janela, existe um contato sensível e afetuoso entre dois espíritos, no uso de instrumentos diferentes para se comunicar e sonhar.

Na janela, sentindo o vento, é possível a integração com a vida, em noite de estrelas e luar.

Em um poema revelador, a poetisa Adélia Prado assim fala da “janela, palavra linda”. No poema, ela jura que a “Janela é o bater das asas da borboleta amarela. Abre pra fora as duas folhas de madeira à-toa pintada, janela jeca, de azul”.

Drummond, que reconhecia existir um estilo para se “chegar à janela, de espiar a rua, da janela olhar o mundo”, escreveu: “O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar”, canta o poeta de Itabira.

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Andrew Wyeth
As janelas de Neide Medeiros ajudam a olhar o mundo lá fora, os rios de nossa vida, porque há tantos sonhos que podem ser vistos se abrirmos a janela do nosso coração.

Os sonhos da infância, que alçam voos pelas janelas, são como os pássaros ao serem libertos das gaiolas.

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  1. Obrigada poeta Nunes, minhas singelas janelinhas inspiraram um texto bonito e poetico.um texto

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  2. Beleza de texto, Nunes. Prosa e poesia e arte na sua escrita e na pintura da professora Neide. Parabéns a ambos. Francisco Gil Messias.

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