fevereiro 21, 2020
Sou daqueles que acordam cedo. Logo eu, que já fui notívago de carteirinha e que varava a noite nas areias do Cabo Branco, entre violões e p...

Sou daqueles que acordam cedo.
Logo eu, que já fui notívago de carteirinha e que varava a noite nas areias do Cabo Branco, entre violões e poesias. Tanto que ganhei o apelido de zumbi, que acabou gerando meu primeiro livro e depois o nome de um blogue muito acessado que tive nos idos de 2000.
Hoje, durmo cedo e madrugo quase sempre. Daí, no silêncio da madrugada, tateio livros e miro nos voos da arribaçã.
Quando as cidades acordam, geralmente já tenho feito vários desses voos. Costumo chamar esse meu hábito de madrugar de “diálogo com o silêncio”.
Porque é isso, de fato. Sem a azáfama e o turbilhão de respirar a sobrevivência que temos que conviver todos os dias, volto para meus interiores em diálogos silenciosos com meus achares.

Sou daqueles que dá a bênção a padrinhos, madrinhas, tios, tias e mãe até hoje.
Gostava de pedir a benção de mãe cedo, quando acordava com o cheiro de seu cuscuz e do café no antigo Solar dos Guedes, já que meu eterno quarto de solteiro (sim, casei várias vezes, mas aquele quarto nunca era desativado) ficava parede e meia com a cozinha.
Hoje, as coisas mudaram. O Solar dos Guedes foi vendido e mamãe, por conta de suas limitações físicas, não faz mais o café e geralmente ainda está no quarto quando saio pra rua.
Mas quando chego em casa no final da manhã, ela senta na cama para me abençoar, e sinto que tudo continua leve como antes.
Seu sorriso me abençoando me transmite uma paz que só as mães conseguem transmitir.

Reclamar de fantasia dos outros no carnaval é a mesma coisa que reclamar de Jesus na igreja.
Carnaval sempre foi transgressão, ousadia...
Ser politicamente correto no carnaval é um saco!
fevereiro 21, 2020
fevereiro 20, 2020
No Espiritismo não existe hierarquia, não há sacerdotes, nem apostolado, nem proselitismo. A religião, filosofia e ciência espíritas parte...

No Espiritismo não existe hierarquia, não há sacerdotes, nem apostolado, nem proselitismo. A religião, filosofia e ciência espíritas partem do princípio de que todos somos iguais, somos imperfeitos e estamos aqui para aprender, na nossa caminhada para a luz. Assim, o Espiritismo é acolhedor, sem perguntar quem é quem, de onde vem ou o que tem. Acolhe, indiscriminadamente todos os que o procuram, não estabelecendo tampouco regras de conduta, tendo em vista que cada é responsável pelo que faz, de bom ou de ruim. A única regra que alguém poderia tomar como exemplo é aquela universal, adotada por várias religiões: Não faça ao outro o que você não quer lhe façam. Além disso, o Espiritismo prega a caridade desinteressada, buscando aliviar a dor dos que sofrem.
Quando digo que há pregação, não estou me referindo a pregadores especiais que precisam da chancela de algum superior. Não há superiores, como já disse, somos todos iguais na nossas imperfeições e qualquer um que estude a doutrina estará habilitada a dar palestras, não a fazer pregações, cujo intuito não é acusar ou proibir a ação do outro, mas despertar o seu semelhante para o respeito e acolhimento fraterno do seu irmão.
Há quem, dentro do Espiritismo, se ache melhor do que outros. Isto é comum em qualquer religião, em qualquer agregado humano. No entanto, quem se acha assim é porque desconhece a doutrina que prega a humildade e autoconsciência, caminhos para a reforma íntima, caminho para a nossa mudança, pois não existem transformações se ela não começa em nós mesmos.
Digo isto, porque tenho visto muita gente cobrar militância política do espírita. A militância política fica para quem tem partido político. Não há partidos políticos no Espiritismo ou pelo menos não deveria haver. Tampouco ninguém que seja espírita deve ser impedido de fazer militância, se achar que deve. Suas ações são sempre responsabilidades suas e de mais ninguém. Apenas digo que um dia de ação real, junto aos que sofrem, que se realiza, por exemplo na Mansão do Caminho, vale mais do que anos de militância e de palavreado estéril.
Não importa quem esteja no poder, ele passará. Já a doutrina espírita continuará imorredoura, como sempre foi.
fevereiro 20, 2020
fevereiro 15, 2020
Um romance que sempre me persegue e que é contado o dia em que não me vejo nele é “Bolsos vazios” de Allyrio Wanderley. Quando menos esper...

Um romance que sempre me persegue e que é contado o dia em que não me vejo nele é “Bolsos vazios” de Allyrio Wanderley. Quando menos espero, estou como Assuero, um de seus personagens mais fortes, comprando o bilhete ou arriscando na versão atual da loteria, que representava o único sol promissor por entre as sombras desalentadoras do mundo de Cimaldo, o protagonista do romance. Mundo em que muitos apostam todas as fichas na cidade grande, como o próprio Allyrio, e terminam de almas retirantes como particularmente me sugere, agora, a visão física dos afogados na enxurrada paulistana.
Por que essa compulsão de toda uma vida em consciente busca da incerteza? Também a sorte, se não tem me favorecido com as peque- nas fortunas, nunca tem me faltado com os afetos da banca. Na adolescência, carregando os talões de bicho que o tio Viana passava no Alto do Seixo, em Campina e em João Pessoa, desde o primeiro mo- mento, com a amizade do tenente Rubinho Falcão.
Mas nunca estou livre de ser atormentado por aquele horizonte denso e sem esperança da pouca fortuna em que se encobrem Cimaldo e Assuero.
Recrimino-me, com as condições que tive de in- fluir, não ter reeditado esse romance em que mais me vi personagem.
Ascendino Leite bem me chamou a atenção para aquela preparação de tragédia que é toda a narração e que consiste nisso, nessa falta de ar, de luz, de esperança, a vida encerrada na incerteza. A quimera como a única fava contada.
Ponhamos os olhos da consciência neste entrecho: “A primeira visita que recebi naquele porão da rua Vitória, onde agora apodrecia entre aspirações e percevejos, foi a
de Assuero:
“Homem, você vai descendo que é uma maravilha... - É exato; já estou com terra pela cintura.”
E foi assim, a ficção de Allyrio me acontecendo em plena luz do dia, a realidade causando arrepios. Não mais hoje, na idade das esperas inelutáveis, mas no tempo em que no meio do caminho sempre batia numa pedra.
fevereiro 15, 2020
fevereiro 08, 2020
Terás, algum dia, aristocrata, borboleta de verdade de gravata? Aí quem sabe se cancele, na tua sala, a cabeça do antílope morto à bala, e s...

Terás,
algum dia,
aristocrata,
borboleta de verdade de
gravata?
Aí
quem sabe se cancele,
na tua sala,
a cabeça do antílope morto à bala,
e surja,
ali,
um Botticelli!

como o hino
em que,
paulatino,
na semana santa,
tramita o arremedo
de um samba-enredo
... e,
na Paixão - prévia da … Ressurreição - vê que o Momo,
ninguém sabe como,
passa a ter,
na coroa,
espinhos,
em lugar das vedetes - nuas - e atléticos parceiros
fazendo das suas,
bem brasileiros,
em eufóricos carros alegóricos ( até gongóricos ),
inzoneiros,
o Cristo... praticamente nu,
crucifixão a cru,
ele sempre em lentos andores,
cheios de fiores,
o povo a entender o aviso,
com medo:
de que a vida não é brinquedo.

Sei que não há,
por exemplo,
na Natureza,
Justiça como a entendemos
e
( se previna ),
nem — como você aprendeu num templo — a... Divina.
A mim me fascina... não ser de Tupã o trovão,
e que a ira tenha outro nome:
fome,
na onça, lobo
e leão.
(excertos de Vida Aberta - Tratado Poético-Filosófico)
fevereiro 08, 2020
fevereiro 04, 2020
A Grécia Antiga foi conquistada pelos romanos com o uso da espada, mas este povo espezinhado venceu seus opressores com sua inteligência, ...

A Grécia Antiga foi conquistada pelos romanos com o uso da espada, mas este povo espezinhado venceu seus opressores com sua inteligência, pois tinha a cultura como principal arma. Para chegar à vitória silenciosa, o livro se sobrepõe às catapultas, às espadas, aos canhões e ao muque agressor.
Quando Nero destruiu a Biblioteca de Alexandria, imputou aos cristãos esse crime, numa tentativa de incriminá-los. Os ditadores não aceitam a cultura como alimento para a alma, porque sabem que podem destruir o corpo, mas nunca o que está armazenado na mente.
Povo unido é povo invencível. Jesus mudou a História da humanidade com a Palavra e com gesto de inigualável sabedoria. Spartacus abalou os alicerces de Roma com um bando de descamisados. A Palavra transformada é uma arma que não fere, mas muda a vida das pessoas.
Vem de muito longe a ideia de que a arte é fermento para a desordem, porque há por parte dos governos totalitários o imperativo desejo de impedir manifestações artísticas. Nenhum sobreviveu. Nem mesmo o Império romano com todo seu poderio, que na época amedrontava a terra, sobreviveu à força silenciosa da palavra.
Por considerar que incitavam a consciência renovadora, o ditador Getúlio Vargas mandou queimar obras de José Lins do Rego, Jorge Amado e de outros escritores, agentes do saber que defendiam acessos ao conhecimento e a renovação de mentalidades.
Estas passagens me acodem quando numa noite de pausa nas leituras, recebo mensagem de um amigo que é apaixonado por bibliotecas, desses que se dispõe a organizar montanhas de livros de modo que facilite o acesso dos leitores. Mostrava-se preocupado porque cada vez mais os governantes revelam o desprezo pelas bibliotecas. Os municípios já não se preocupam em instalar biblioteca pública. O que deveria ser o contrário.
Entre nós temos dedicados homens que trocam sua vida pelos livros, fazendo do seu espaço uma casa do saber, as paredes perdendo a feição de tijolos para se transformarem no mundo da imaginação.
Em décadas passadas, em nossa cidade, tivemos alguns entusiastas pelos livros que transformaram suas casas em moradas de histórias. Reunir livros em tornos de si era como recolher pedras preciosas. Uma dessas pessoas era o jornalista Waldemar Duarte que recolhia pelos corredores de sua casa as obras literárias que chegavam às suas mãos, deixando-nos receosos de andar por entre as pilhas de livros que cuidava com esmero.
Em mais de cinquenta anos convivendo com a literatura, o poeta e crítico literário Hildeberto Barbosa Filho caminha por entre seus dezoito mil livros com desenvoltura, capaz de retirar um da estante sem embaraço para conferir uma frase, um poema, recordar uma passagem de algum romance.
O bibliotecário Marcos Rodrigues é um cavaleiro solitário a andar pelos municípios animando a reestruturação das bibliotecas, removendo dos campanários das cidades os moinhos de vento construídos pelos agentes públicos. Luta renhida, mas silenciosamente reconstrói um mundo onde as pessoas, sobretudo os jovens, haverão de agradecer porque chegaram até eles essas preciosidades.
Mesmo que os tiranos ateiem fogo nas montanhas de obras literárias, estes nunca conseguirão retirar da memória das pessoas a semente de mostarda que os livros plantaram. Sempre haverá alguém que guardará um livro como recordação. Mesmo que demore a ser descoberto, guardará um registro da história da humanidade.
As bibliotecas sempre serão refúgios silenciosos.
fevereiro 04, 2020
fevereiro 02, 2020
Já conhecemos um pouco o perfil do monsenhor Myriel Bienvenu, bispo de Digne. Na criação de Victor Hugo, para Os Miseráveis, mais do que u...

Já conhecemos um pouco o perfil do monsenhor Myriel Bienvenu, bispo de Digne. Na criação de Victor Hugo, para Os Miseráveis, mais do que um justo, o monsenhor era um santo, ainda que assim não se considerasse, claro.
Criando duas vacas, na nova morada – o antigo hospital, que já não comportava os doentes da cidade, os quais ele alojou no palácio do bispo, por ter mais espaço do que ele precisava –, monsenhor Myriel destinava metade do leite diário ordenhado para os doentes, com a consciência de que pagava, assim, o seu dízimo – “Je paye mon dîme” (Parte I, Livro I, Capítulo VI).
As atitudes do monsenhor Myriel demonstram claramente como as instituições sociais, religiosas ou leigas, cometem habitualmente erros gritantes, verdadeiros disparates, para atender luxos e comodidades não condizentes com as urgentes questões sociais. O palácio destinado ao bispo é um imenso espaço sem utilidade prática, que não seja o triunfalismo ostentatório da Igreja, enquanto o hospital municipal dispõe de pouco espaço e de parcos recursos. Por outro lado, o dízimo pago pelos fiéis, só revertendo para o lado da magnificência material da Igreja, tem destino semelhante aos impostos pagos pelos cidadãos, mal empregados, de modo contumaz, pelos poderes públicos.
Monsenhor Myriel é um revolucionário não das palavras ocas e fáceis, mas da ação transformadora, pacífica, silenciosa, sem alarde, sem gritos e sem holofotes, invertendo uma lógica cuja irracionalidade não é fácil de perceber, porque óbvia: renuncia ao palácio do bispo e ainda paga o dízimo aos pobres, recebendo a todos, sem distinção, sem discriminação, sem querer saber o nome ou a origem. Ele parte do princípio de que se alguém o procura é porque necessita de auxílio. A vida do monsenhor Myriel é um retrato fictício, é bem verdade, mas não deixa de ser plausível, pois é a vida de quem vive o Evangelho e não apenas o prega, tomando como base dois lemas (Parte I, Livro I, Capítulo VI):
“La porte du médecin ne doit jamais être fermée; la porte du prêtre doit être toujours ouverte.”
(A porta do médico não deve nunca estar fechada; a porta do padre deve sempre estar aberta.)
Ne demandez pas son nom à qui vous demande un gîte. C’est surtout celui-là que son nom embarrasse qui a besoin d’asile.”
(Não perguntem o nome a quem lhes pede um abrigo. É sobretudo aquele, cujo nome é motivo de embaraço, que tem necessidade de asilo.)
O monsenhor Myriel Bienvenu, bem-vindo como o seu sobrenome insinua, sendo um digno bispo de Digne, numa onomástica perfeita usada por Victor Hugo, dá lições práticas aos poderes públicos e à Igreja de como se deve tratar com dignidade os necessitados, tornando-os bem-vindos ao seio de Deus e da sociedade, sem distinções e, sobretudo, sem propaganda.
fevereiro 02, 2020
fevereiro 01, 2020
Sempre fui apaixonada por Londres. Por ter estudado Inglês desde sempre; por adorar os Beatles; Outras tantas referências dos anos 70. Já ...

Sempre fui apaixonada por Londres. Por ter estudado Inglês desde sempre; por adorar os Beatles; Outras tantas referências dos anos 70. Já fui lá algumas tantas vezes, continuo apaixonada, tenho irmã que mora no País de Gales há mais de 30 anos e agora dois sobrinhos morando e trabalhando em Londres. Fora alguns amigos, poucos. Mas bons.
O meu sonho? sempre foi morar em Londres algum momento da vida. Mas a vida toma rumos por vezes fora do nosso controle e o máximo que consegui foi morar um ano na University of Warwick. Foi tudo tão intenso que, vivi tudo que sonhava: estudar, fazer amigos, bibliotecas e livrarias e principalmente as estações do ano e o countryside Britânico, que amo de paixão.
Agora, com o Brexit, chorei ao acompanhar essa vitória nacionalista que vai de encontro a tudo que é moderno e sem fronteiras dos mundos de hoje. E eu que ainda tinha planos de passar tempos da 3a idade por lá! Agora nem a passeio, com a Libra a quase 6 reais, ficou difícil.
Acho que em outras vidas, morei numa daquelas cottagesinhas, em Cotswolds ou na Cornualha! Tomando G&T, ou chá de bergamota com muffins...
fevereiro 01, 2020
janeiro 29, 2020
É possível que, a pedido de Petrônio Souto, as duas ladeiras que separam Alagoa Nova de Areia venham a ser transformadas em estrada lustro...

É possível que, a pedido de Petrônio Souto, as duas ladeiras que separam Alagoa Nova de Areia venham a ser transformadas em estrada lustrosa e lisa da marca João Azevedo. Para isso, meu prestígio e cocô de louro se equivalem. Desde Assis Camelo em sua primeira legislatura, ele no poder, fazendo carreira ao lado de Pedro Gondim, de João Agripino, de Ernani Sátiro, de Ivan Bichara e de Tarcísio Burity que fazemos fé nessa estrada, que só agora vem aparecer em linha verde no mais novo mapa do DER. Linha verde, nas legendas, quer dizer “implantada”. Dr. Carlos Pereira de Carvalho e Silva me avisara.
E aluguei um táxi a pretexto de tomar a benção de um tio velho da Rua do Tacho, em Alagoa Grande, e na despedida, depois de voltear céu acima a serra da Beatriz, quebrei à esquerda na descida, em Várzea Nova, contendo a alegria do menino e rapazote que eu havia deixado há mais de setenta anos molecando pelas bagaceiras de engenho que adoçavam o ar e aceleravam o coração até chegar à igrejinha de São Sebastião na entrada de Alagoa Nova. O vértice era a venda arrojada de seu Manuel Pereira, a meio caminho de Vitória, a engenhoca de meu pai, cuja ex-casa-grande se reduz hoje a um sótão enxameado de morcego.
Faz mais de oitenta anos, Petrônio, filho de Mário, sobrinho de Chico, meu sobrinho! Mais de 80, acredite! Vencida a ladeira que vinha lá de casa, parei para pedir água na janela de Manuel Pereira, subi na ponta dos pés para ver lá dentro, e dei com os olhos no pirão de domingo do major, ele na cabeça da mesa a medir força com a trunfa de couve, de repolho, o mocotó por cima, tudo boiando por cima do escaldado, levando-me da sede em que eu vinha à fome profunda, incurável. Sim, Petrônio, porque pirão daquele só se vê uma vez na vida e no mundo.
Não será com fome diferente que temos pedido esses 7 minutos de estrada em 100 anos de sacrifício para chegar às feiras, à escola, ao mercado, aos serviços e assistência oferecidos ou intercambiados com as matrizes da redondeza.
Muito sabidos, os governos nunca atentam para a renovação das terras brejeiras sucumbidas na crise feroz dos engenhos. Crise que transformou o senhor em simples fornecedor de cana para as usinas. Mas o que sucumbiu foi a rapadura; os espigões e vales profundos continuam argilosos e vermelhos viçando por qualquer produto que dependa de terra úmida, garanhona e de bons ventos. Tanto é assim que o vale do Capim Açu, até há pouco de fogo morto, já se recobre de novo plantio, safra nova, nova paisagem monopolizada pela maior produtora de aguardente da região. Enquanto a estrada não vem, onde eu não posso botar meu Clio, Luiz Magno, rico doutor, por conta própria, está forçando a entrada com seus tratores e colhedeiras. Quem morreu foi meu pai, a sua vizinhança, mas o vale continua a desafiar os seus sucessores.
janeiro 29, 2020
janeiro 26, 2020
Pela voz do Monsenhor Myriel Bienvenu, Bispo de Digne e personagem de Os Miseráveis, o escritor Victor Hugo mostra um pouco da sua faceta ...
Pela voz do Monsenhor Myriel Bienvenu, Bispo de Digne e personagem de Os Miseráveis, o escritor Victor Hugo mostra um pouco da sua faceta espiritualista e, diria eu, espírita, pois muitas são as passagens dentro desse monumental romance que apontam para esta convicção. Eis um dos exemplos do pensamento inquestionável desse caráter do romancista e poeta, em tradução nossa:
janeiro 26, 2020
janeiro 25, 2020
Hamurabi, fundador do Império Babilônico, criou o mais antigo código de leis escritas e o divulgou afirmando que o recebera do deus-sol Sham...

Hamurabi, fundador do Império Babilônico, criou o mais antigo código de leis escritas e o divulgou afirmando que o recebera do deus-sol Shamash, como pode ser visto no relevo que há no topo da estela, no Louvre. Os hebreus gostaram dessa justiça à base do olho por olho, dente por dente, da ideia de se manter a ordem pública transformando-se o superego de todo cidadão num agente secreto onisciente – Deus -, e criaram a história similar de que Moisés teria recebido o Decálogo diretamente das mãos de Jeová, no Sinai.

Explique-me a existência de ricos que se dizem cristãos, mesmo sabendo que no Evangelho está dito que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um deles entrar no reino dos céus. Alguns alegam justamente que houve confusão dos tradutores de Mateus 19.24, entre kámelos – camelo – e kámilos – corda, mais ainda assim a coisa é impossível. Já outros dizem que agulha era uma passagem estreita, nas muralhas, pelas quais passavam os cameleiros... com muuuita dificuldade, mas passavam…

Um dos monólogos mais famosos do mundo é o Ser ou Não Ser. Ao rever uma cena de filme mudo com a "mocinha" desmaiada numa das duas variantes de uma estrada de ferro, em que o trem vem vindo, "vi" o que Hamlet realmente sentiu, quando disse que se não temesse o inferno, cometeria o suicídio.

Digo e redigo que a lição do Calvário é precisa. Cristo morre entre o bom e o mau, todos dois...ladrões. "Quero ficar mais rico" - diz o da Direita. "Quero sair do miserè" - diz o da Esquerda. E o meio é um só: roubar o dinheiro sem dono, que é o do povo. Qual o problema? Falta de um sistema.

FREQUENTEMENTE ME SINTO EXILADO, AQUI EM JOÃO PESSOA, ONDE o Ariano Suassuna dizia que NÃO SE TROCA O OXENTE PELO OK DE NINGUÉM. Liga-se o rádio do carro, música americana, vai-se ao cinema,filme americano. anda-se nas ruas e só o que se vê é house, car, fashion, fit, hair, como se 99 % da população falasse fluentemente o inglês. Todo gringo, aqui, deve se sentir em casa.
(pensamentos avulsos)
janeiro 25, 2020
janeiro 21, 2020
O livro "A ridícula ideia de nunca mais te ver" - de Rosa Montero, escritora espanhola que adoro (A Louca da Casa), sentiu que a h...

O livro "A ridícula ideia de nunca mais te ver" - de Rosa Montero, escritora espanhola que adoro (A Louca da Casa), sentiu que a história de Marie Curie dialogava com a sua própria. Livro a respeito também da morte, mas sobretudo dos laços que nos unem ao extremo da vida.
Acrescentei a minha vida também a essas belas e originais histórias de mulheres sábias e poderosas. E que, antes e dolorosamente, também perderam seus maridos, sofreram, falaram sobre isso, e seguiram.
Sim, é preciso fazer algo com a morte. É preciso fazer algo com os mortos. Depositar flores. Falar com eles. Dizer que você os ama e que sempre os amou…
Gritar para o mundo. Escrever num livro… "que pena ter esquecido que você podia morrer, que eu podia te perder". Se tivesse essa consciência, eu teria te amado não mais, mas melhor.....
O luto é algo estranho… Mesmo que o tempo passe, a dor da perda, nos momentos em que surge, continua parecendo igualmente intensa. A dor é disparada com menos frequência e você pode lembrar seu morto sem sofrer. Mas quando a tristeza surge, e você não sabe muito bem por que surge, é a mesma dilaceração, a mesma brasa…
Quem sabe com o tempo a mordida amenize, ou não. Isso é algo de que ninguém fala; talvez seja um daqueles segredos que todos guardamos…
Talvez nós, viúvos, nos sintamos estranhos ou péssimos viúvos por continuarmos sentindo a mesma dor aguda depois de tanto tempo. Talvez tenhamos vergonha e pensemos que não soubemos nos "recuperar".
Mas já vou dizendo que não existe recuperação: não é possível voltar a ser quem você era. Existe a reinvenção, e não é algo ruim. Com sorte, pode ser que consiga se reinventar melhor do que antes.
Afinal de contas, agora você sabe mais…
janeiro 21, 2020
janeiro 19, 2020
Existem obras literárias que formam com a crítica e a história espécie de conjunto a que recorre o leitor, em seu esforço interpretativo, co...

Existem obras literárias que formam com a crítica e a história espécie de conjunto a que recorre o leitor, em seu esforço interpretativo, com férteis e valiosos resultados. Esse conjunto se constitui, por assim dizer, em etapas interdependentes e harmoniosas, de modo que as tantas possibilidades ou estágios de leitura complementam e aprofundam o entendimento da realidade da ficção.
Assim, na avaliação da crítica, a obra se desvela; enquanto a palavra da história, fundamentando-se em conclusões críticas reveladoras, recusa a exclusividade ou supremacia dos fatos externos. Não é que inexistam conflitos neste percurso. Pelo contrário. Eles cumprem aí seu papel, garantindo os confrontos, a pluralidade que somente enriquece o ângulo de visão. Assegurado o julgamento, na amplitude da perspectiva. Iluminados o texto e o leitor.

Na perspectiva de Goldmann, isto é, considerando a relação entre o romance moderno e a totalidade social, Alfredo Bosi propõe quatro tendências pelas quais é possível distribuir o romance brasileiro moderno: romance de tensão mínima, de tensão crítica, de tensão interiorizada e de tensão transfigurada. O segundo tipo define-se como aquele “em que a tensão atingiu ao nível da crítica, os fatos assumem significação menos "ingênua" e servem para revelar as graves lesões que a vida em sociedade produz na pessoa humana: logram por isso alcançar uma densidade moral e uma verdade histórica muito mais profunda. Há menor proliferação de tipos secundários e pitorescos: as figuras são tratadas em seu nexo dinâmico com a paisagem e a realidade sócio-econômica (Vidas secas, São Bernardo, de Graciliano Ramos), e é dessa relação que nasce o enredo.

A Bagaceira - “um grito de justiça!”
Considerando-se os elementos integrantes da estrutura narrativa, torna-se inadmissível identificar com a seca a temática do livro de José Américo de Almeida. Quando isto acontece, é porque fica ignorado o outro lado da antítese: o meio físico e social que a bagaceira personifica. Em destaque a partir do título. Comprometendo-se com esta mutilação o entendimento da própria ideologia do romance.

Desmistificando a seca, o romance paraibano encontra sua força de denúncia na ironia do contraste estabelecido entre a "natureza privilegiada" do brejo e a degradação humana. Vinculando-se o estado degradado à estrutura moral e sócio-econômica que a bagaceira personifica. Nesta perspectiva, a funcionalidade da paisagem não deixa margem a que se confunda sua exuberância com o descritivismo de efeito meramente pitoresco. Pois, além de tornar mais chocante a miséria humana, "a verdura perene" desmascara a face desértica forjada como identificação do Nordeste, em decorrência da ação dos "exploradores das secas". Em tais circunstâncias, o paisagismo de A bagaceira se faz intencional recurso expressivo no sentido de superar a falsa imagem dos problemas da região, "cujas reais possibilidades de desenvolvimento passaram a ser subestimadas, falando-se na inevitabilidade de seu progressivo abandono".
(Excertos de Re-leitura de A Bagaceira)
janeiro 19, 2020
janeiro 17, 2020
Bússola meus instrumentos de navegação estão em meus próprios pés e ele navega como um pequeno barco indo de um lado a outro de ocea...

Bússola
meus instrumentos de navegação
estão em meus próprios pés
e ele navega como um pequeno barco
indo de um lado a outro de oceanos
sem enjoos, negando os eu te amos
indo para lá, indo para cá
ao sabor dos ventos, tempestades
ancoradas no fundo do lar
titanics que nunca, nunca afundam
mas ficam boiando no mar
meridiano magnético de corações
e dentes que só mastigam espinhas
imã de sensações que já já acontecerão
não se sabe em que porto
não se sabe em que seios, eu sei,
acontecerá o repouso do destino
terra à vista, dirão os piratas das cidades
mas onde (?), - logo ela fica invisível
logo a terra marulha também
vira uma espécie de tsnunami no olhar
mas como na parábola do elefante
não consigo ver além da minha tromba
viro torrão de sal no mar, não na xícara
e nem os mapas me localizam
“para onde vou (?)”
- “responde, poesia, musa que não sabe das flores!”.

Afluente
agora sou teu afluente
e tu mergulhas até o fundo em meus rasos
acaso não sabes daquelas cheias nos rios
que navegam minhas dores e arroubos?
e daquela noite, que peguei o barco
e cai no breu sem o bote salva-vida
sem o timão para me guiar para a claridade?
sou teu afluente, mas tu és meu escrínio profano
mesmo sem ter chorado a virgindade
que não perdeu comigo
tuas águas me tiram do Vale do Acor
porque é para teus líquidos que nado.

Uai!
ah, belo horizonte
de cheiros
no sotaque de seu mercado
nos reclames do vendedor de uais
dos torresmos
nos botecos, que nunca são iguais
bh
é terra de prosa
mas a poesia teima o ar.
(Do livro, ainda inédito, "Cabo Branco e outros lugares que não estão no mapa")
janeiro 17, 2020
janeiro 12, 2020
Música é fator de encantamento para todos, na diversidade de idades, épocas e acontecimentos. Para nós, médicos, que vivenciamos o sofriment...

Música é fator de encantamento para todos, na diversidade de idades, épocas e acontecimentos. Para nós, médicos, que vivenciamos o sofrimento alheio, representa não apenas a busca da beleza, mas também a conquista de tranquilidade, relaxamento e conforto.
Não me refiro aos mais dotados, compositores ou instrumentais, mas, aos que como eu são apenas capazes de sentir e de amar as peças musicais. Por isso, nessas palavras sintéticas, serei mais “pessoal”, trazendo aos colegas e ao público algo do que vive em meu espírito e envolve minhas atividades.
Sabemos que não são raros os exemplos de médicos aptos à análise profunda de obras célebres. Um dos quais permanece ainda muito viva na minha memória, é a do sempre saudoso e emblemático Mestre, Luiz V Décourt, emérito catedrático da faculdade de medicina da USP, que tive a honra e o privilégio de ter sido seu discípulo. Sua erudição e genialidade estão expressas no admirável estudo que fez do Quarteto nº 14, opus 131, de Beethoven, um dos mais importantes de um conjunto de obras magníficas para cordas.
Por outra, compreendemos certas limitações contemporâneas. Não há dúvida de que os progressos e as exigências da medicina moderna vêm acarretando nosso maior distanciamento, temporal e mental, das atividades musicais. E essa ocorrência é lamentável.
A estranha e conhecida frase de Stravinsky contida em sua autobiografia: “A música, por sua própria natureza, é impotente para expressar qualquer coisa”, deve ser entendida apenas como uma afronta a oponentes estéticos que atribuíram às peças musicais fins extramusicais.
Sabemos ainda que na Idade Média um programa de cultura geral abrangia o estudo de sete artes liberais, herdadas da Antiguidade. Elas eram agrupadas em dois conjuntos: o Trivium, abrangendo três artes literárias (gramática, retórica e didática) e o Quadrivium, ulterior, com quatro disciplinas “matemáticas” (aritmética, geometria, astronomia e teoria musical). Como acentuou o competente educador, Prof. Monroe, “A ciência musical abrange essencialmente as leis numéricas que regem a harmonia. O estudo da estrutura dos intervalos e da rítmica introduz os indivíduos no mundo da melodia".
E a magia permanece expressiva, alentadora, sem declínio. Perante o universo da música, a minha experiência na prática clínica da medicina autoriza-me a afirmar que ela modifica o ambiente que nos envolve e favorece a sensação de uma plenitude de vida. Essa sistemática sublime vem constituir ao médico um ambiente suave no seu mister diário dos consultórios, dando-lhe maior tranquilidade para formulação do diagnóstico e evidentemente amenizando o estado de inquietude, ansiedade e medos dos seus pacientes.
janeiro 12, 2020
janeiro 11, 2020
Há um ano que estou em nova morada. Mais perto do mar. Mais perto do parque. Mais perto. E mais longe também. Mais longe dos meus 35 anos na...

Há um ano que estou em nova morada. Mais perto do mar. Mais perto do parque. Mais perto. E mais longe também. Mais longe dos meus 35 anos na rua dos oceanos. Dos nascimentos e das mortes. Do fechamento de um ciclo. E aqui, da abertura de outros. E com as paredes em branco. E isso é bom. E difícil também. Mas, mais bom!
E me perguntam - “E aí Ana , já adaptada? Saudades da casa?” E para meu espanto , eu me adaptei na hora que vim com o caminhão de mudança. E na primeira noite. Aquele quarto parecia of my own há tempos. Claro que não achava nada, mas subjetivamente falando, aquele espaço, já era meu. Sou um animal que me aquieto logo.
E já nos primeiros dias, ouvi o som de uma flauta a tocar. Notei que alguém ensaiava o instrumento: dó ré mi fá sol....acordes repetitivos. E muitas horas do dia. Pensei , ah! Se fosse Vítor Diniz, o filho de Dodora, minha amiga, e que é flautista. Mas esse, mora alhures. O daqui é um desconhecido , o que torna tudo ainda mais intrigante. E o melhor lugar para esse deleite? o meu banheiro. Melhor acústica, proximidade com o vizinho de rua, e pronto. Estava feito a minha trilha sonora dos banhos e conversas no espelho. E o som da flauta, assim como o do violino, me remetem aos filmes – O Violinista no Telhado; O Violinista Que Veio de Longe (exibido recentemente na Fundação Casa José Américo); A Flauta Mágica...
Passei a observar os sons do novo endereço. A algazarra das crianças de férias que brincam na piscina do prédio ao lado; o silêncio de um gato, que fica estático na janela em frente ao meu quarto desnudo, tenho até a impressão de que me observa quando abro a janela; o baticum do apartamento de cima, que está se preparando para novo inquilino; meu despertador que insiste em me acordar na hora, mal sabe ele que ando com o sono diminuído e desperto antes; um cachorro que late, mas nem de longe parecido com aquele de O som ao Redor; o alarme da porta, agora com tudo sem chave e novas tecnologias, tem aquela musiquinha avisando que meu filho chegou . Ou saiu. Mas é o som da flauta que me eleva o espírito, me trás paz, e beleza no dia a dia.
E o ano começou com apreensões, perdas, novos desafios, e para mim em especial, com o ninho literalmente a ficar vazio. Sempre quis os filhos longe, para o mundo, “...mas o que importa o cérebro comparado com o coração?” Mrs Dalloway ouviu de Sally! Logo eu que prezo tanto a solidão e sou tão independente. Mas logo logo, quando chegar em casa, só terei o som da minha flauta mágica. Aquela que povoa os meus dias, e que me encanta dizendo: vai dar tudo certo! Acredite! E agradeço de ter esse som, doce e suave, a me embalar o tempo.
E o som da flauta me inspirou a escrever, a primeira crônica do ano.
Que venha janeiro! Estou (quase) pronta!
janeiro 11, 2020
janeiro 09, 2020
Revi, esta semana, o musical baseado em Os Miseráveis. Dessa segunda vez me pareceu melhor. Não estou dizendo que é um filme ruim, muito p...

Revi, esta semana, o musical baseado em Os Miseráveis. Dessa segunda vez me pareceu melhor. Não estou dizendo que é um filme ruim, muito pelo contrário, trata-se de uma produção excelente, do ponto de vista do visual, do elenco e, sobretudo, do tratamento dado àquilo que é o cerne do romance de Victor Hugo: a injustiça, que se divide em cega observância e cumprimento da lei, cuja encarnação é o inspetor Javert, e em acumulação de riquezas, que fecha os olhos aos desvalidos e necessitados, ajudando a criar uma sociedade de submundo. O filme dirigido por Tom Hooper (UK/USA, 2012) é, portanto, uma obra a não ser esquecida.
O problema, me parece, está no gênero escolhido – musical – e no elenco, apesar de contar com estrelas bem conhecidas. Senti como muito artificial (artificial já é, per se) as falas transformadas em músicas, muitas delas difíceis de se identificar como uma melodia palatável. Ao lado disso, vemos que em determinados momentos soa, mais do que artificial, ridículo, ver Hugh Jakman e Russel Crowe tentando cantar. Por mais que eu tivesse boa vontade, não me furto de dizer que, em alguns momentos, fiquei com vergonha das interpretações. Assim como não consigo descolar Jean Valjean da figura de Gérard Depardieu, na excelente série da televisão francesa, de 2000, que depois virou filme, com seis horas de duração – para mim, a melhor versão do romance no cinema –, também não consigo apartar as figuras de Hackman e Crowell de Wolverine e do gladiador Maximus. O pecado na série da televisão francesa é John Malkovich interpretando Javert. Malkovich sempre interpreta a si mesmo. O melhor Javert, para mim, é Geoffrey Rush (EUA, 1998). Javert é duro, inflexível, só enxerga a lei. Não há nada para além na face da terra, além da lei. Victor Hugo deixa isto bem claro, no romance. Mas Javert não é sem emoções ou expressividade. Embora seja contido. No caso, de Crowell, como intérprete de Javert, temos um inspetor agressivo, em lugar de um homem de cálculo, um Javert que parte para uma disputa corporal com Jean Valjean, em lugar de deixar o trabalho sujo para seus subordinados, impondo-se pela sua estatura moral, embora equivocada e doentia.
No tocante ao personagem Thénardier, o problema é mais grave. Quem interpreta um dos maiores vilões e um dos seres mais vis e abjetos da literatura é Sacha Baron Cohen. Não preciso dizer mais nada... O diretor apostou na faceta menos importante de Thénardier, que é o histrionismo, interpretação muito fácil para Sacha Baron Cohen. A natureza de Thénardier é a de um homem sem humanidade, sem piedade, um monstro que explora as crianças dos outros, como fez com Cosette, e explora e abandona os seus filhos à própria sorte, cujo resultado é a morte dos ainda jovem Gavroche e Éponine, e o desaparecimento dos dois menores de 5 anos... O histrionismo do ator, que eu diria canastrice, esconde quem é, na realidade, Thénardier, cujo caráter se complementa, quando migra para a América e se tornar traficante de escravos.
Outra coisa que achei grave no musical é o fato de que, muito dificilmente, as pessoas que não conhecem o romance, entenderão o que realmente ali se passa. Há muitas lacunas, uma das principais causas é a transformação do diálogo em cenas cantadas. O cantar toma muito tempo; os diálogos são muito mais ágeis, além de soltar mais a intepretação dos atores. Apesar das 2 horas e 38 minutos do filme, as lacunas são enormes, que poderiam ser minimizadas se não fosse um musical. Só para dar um exemplo, de modo a não me alongar, um dos episódios mais tensos do romance, a fuga de Jean Valjean pelos esgotos, levando consigo Marius gravemente ferido, é transformado em uma cena rápida e pífia.
Plasticamente, no entanto, vejo como um dos melhores cenários, este do musical. E já que estamos falando de beleza, fico inconformado com as belas Cosettes – Virginie Ledoyen, na série francesa, e Amanda Seyfried, no musical – contracenando com o narigudo Enrico Lo Verso e o bocudo Eddie Redmayne, respectivamente. Cosette tendo sofrido muito nas mãos dos Thérnadier, mereceria um par mais bonito.
janeiro 09, 2020