Após um curso primário saltitando de escola em escola, finalmente chegou o grande momento: o Exame de Admissão ao curso ginasial. Para os...

O coroinha do Pio X


Após um curso primário saltitando de escola em escola, finalmente chegou o grande momento: o Exame de Admissão ao curso ginasial.

Para os meninos do meu tempo isso significava um grande salto de evolução. No ginasial entrávamos menino grande e saíamos rapaz, com acesso aos filmes proibidos da sessão noturna do cine Brasil, desde que o bigode pintado e a cara feia convencessem o fiscal do Juizado de Menores.

colegio marista
Colégio Pio X
Depois de cinco anos estudando nas escolas primárias, meu sonho de consumo era estudar no Colégio Pio X, onde todos os meus irmãos estudaram.

Mas passar no Exame de Admissão era uma tarefa hercúlea. Exigia muito conhecimento de, principalmente, matemática e língua portuguesa. E eu me sentia preparado para enfrentá-lo.

Quem não estava confiante era mamãe, que acendeu velas e encheu o meu pescoço de escapulários. Na primeira prova eu estava nervoso, e passei raspando.

Dia seguinte, a caminho do Pio X, me livrei de tudo o que enlaçava o meu pescoço, pois achei que deu azar. E passei!

Cabeludo conseguiu se livrar do padre Félix e saiu correndo pela capela, pálido, sem encarar ninguém
O colégio era um mundo novo, para mim, fascinante! Começa que pela primeira vez eu usei farda. Nas escolas particulares nós não tínhamos uniformes.

Que universo! Time de futebol, laboratório, curso de fotografia, teatro, francês, inglês, gincana, canto orfeônico, e Cruzada Eucarística. Eu nunca joguei bem. Cedo me convenci que eu era um perna-de-pau. E me dediquei ao xadrez.

Um dos nossos professores, titular da turma Primeira série C era o Irmão Ricardo Cortês, “carinhosamente” chamado de Irmão Mutuca. A sua turma era composta pelos repetentes do ano anterior. E o Irmão Paulo Beckman, diretor do colégio, colocava os repetentes justamente sob o jugo do Irmão Mutuca.

Irmão Mutuca não girava muito bem. Tinha dias em que já entrava na classe vexado, dizendo: “Um, dois, três, três, dois, um: Fora! Fora!”, expulsando de classe os três primeiros alunos da chamada, SEM TER NEM POR QUÊ!

Para poder comungar tínhamos que confessar, na véspera. Se não, era pecado e a hóstia queimaria na barriga
A Cruzada Eucarística era comandada por Irmão Bruno. Ele abria as portas para as atividades culturais, como o jornalzinho O Apóstolo, no qual Humberto, meu irmão, trabalhava como repórter, ou “Foca”; como eram chamados repórteres iniciantes. Daí veio o seu apelido no colégio: Foquinha. E também dava a chance de atuarmos como coroinha nas missas.

Entrei para o canto orfeônico, compondo a turminha da Primeira Voz. Foi lá que aconteceu um episódio que contribuiu para que eu encurtasse a minha vida de religioso.

A missa começava às 5 horas da manhã. E nós tínhamos que ir em jejum, pois não podia comer antes de comungar. Numa missas dessas eu estava cantando no coro quando de repente a vista escureceu, comecei a ficar pálido, suando frio, e fui arreando. Aí Irmão Bruno me tirou do coral e me levou para comer um sanduíche. Eu havia tido a minha primeira “bilôra”!

Para poder comungar tínhamos que confessar, na véspera. Se não, era pecado e a hóstia queimaria na barriga. Pelo menos era o que os colegas mais adiantados nos diziam.

Certa manhã estava a turma de Silvino na Capela, em fila desorganizada, para se confessar. No confessionário estava o padre Félix, o terror dos adolescentes. As penas que ele prescrevia para poder absolver os nossos pecados eram terríveis: rezar 47 Pai-Nossos; ou 77 Salve-rainhas; ou 86 Ave-Marias. Por aí. Às vezes, castigos maiores. E quando padre Felix não gostava, era igual a mulher quando fica indignada: sai da frente!

Nessa dita manhã faltavam se confessar Cabeludo, Silvino, Tota, Marcelo Barros, Caúma e Gutemberg. Todos à distância do confessionário respeitável o suficiente para bagunçarem em voz baixa. Era justamente a rabeira da classe, os mais anarquistas e que tinham mais podres a confessar. Por isso ficavam por último, relutantes.

Saiu do confessionário, agarrou Cabeludo pela orelha, subindo e descendo, e gritando: “Pervertido!” “Tarado"!
Cabeludo era o mais inquieto, mexendo com um, bulindo com outro. Vibrando porque à tarde iria ao Cine Rex assistir Spartacus. A sua alegria era, por dizer, contagiante. Foi quando o confessionário ficou livre e Cabeludo rapidamente lá se ajoelhou.

Passados alguns minutos, os meninos conversando baixo, quando de repente ouviu-se o grito do padre Félix: “SAFADO!”

O padre estava apoplético. - “Seu monstro!”

E saiu do confessionário, agarrou Cabeludo pela orelha, subindo e descendo, e gritando: “Pervertido!” “Tarado!”

Cabeludo conseguiu se livrar do padre Félix e saiu correndo pela capela, pálido, sem encarar ninguém. E padre Félix vociferando indignado:
“Vou contar à sua mãe!”

Pausa. Silêncio total. Então se voltou para os alunos que esperavam:
“Com uma GALINHA!”


José Mário Espínola é médico e escritor

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  1. Parabéns, colega Zé Mário!
    Eu senti as mesmas emoções, ao fazer o admissão e me orgulhava de estudar no Pio X. No entanto, reconheço que fiquei com alguns traumas da rigidez exacerbada, se bem que muita coisa me serviu como referência de vida. Assim como vc, eu também tenho boas e divertidas (hoje) lembranças do nosso ginasial.
    Que bom, que o nosso ginásio se esticou até os dias de hoje, em forma de amizade. Sou grato, com essa convivência de uma vida(60 anos) com você, à quem entreguei meu coração e com seu mano Silvino, que disputa comigo, a comilança de doces e chocolates, que alimenta a minha diabetes.
    Forte abraço!

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  2. Tudo muito felliniano, bem Amarcord ( Io mi ricordo ), principalmente o final.

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  3. Boa observação, Solha, não havia percebido. Pode ser que tenha alguma influência, haja visto que Fellini é o meu cineasta favorito. Mas a história final não foi inventada.

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