Nos anos 1950, os conjuntos vocais alcançavam, nos Estados Unidos, a sua época de maior evidência. E dentre uma infinidade de grupos que e...

Um mestre da canção romântica

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Nos anos 1950, os conjuntos vocais alcançavam, nos Estados Unidos, a sua época de maior evidência. E dentre uma infinidade de grupos que existiam no gênero, que era conhecido como “doo wop”, se sobressaíam The Platters. Após um início sem muita repercussão, os Platters passaram a ser produzidos e empresariados pelo arranjador e compositor Samuel Buck Ram, que conseguiu torná-los um sucesso mundial. Buck Ram compôs alguns dos principais êxitos dos Platters, entre eles Twilight Time , The Great Pretender , Remember when , I'm sorry e a conhecidíssima canção Only You.


Em 1957, em uma excursão dos Platters ao Brasil, Buck Ram ouviu entusiasmado, na boate Little Club, no Rio de Janeiro, a apresentação de um cantor brasileiro, que também era compositor. O mentor dos Platters decidiu que o grupo vocal gravaria três músicas do cantor, que foram vertidas para o inglês pelo próprio Buck Ram, que ficou, nos EUA, como parceiro das canções “Quero-te assim” (I Wish ), “Rio Triste” (Sad River ) e “Chove lá fora” (It's raining outside). Em 1958, os Platters conseguiram levar “I Wish” e “It's raining outside” para o restrito ranking da revista Billboard, que registrava os discos mais vendidos e as músicas mais executadas no mercado norte-americano. A belíssima balada I Wish (“Quero-te assim”) também foi gravada, com sucesso, pela cantora de jazz Della Reese.


O cantor e compositor brasileiro, que teve as suas músicas gravadas pelo mais famoso grupo vocal do mundo daqueles anos, era filho de um casal de libaneses, nascido em Pirajuí, no interior de São Paulo. Chamava-se Chauki Maddi. Desde pequeno era chamado de Tito. Ele tirou uma letra do sobrenome quando entrou na carreira artística e ficou sendo Tito Madi.

De família musical (o pai tocava alaúde e os irmãos vários instrumentos) o menino Tito também enveredou pela música, tocando e cantando em festas na escola. Ele e os irmãos instalaram um serviço de Alto-falante na cidade, embrião da futura rádio de Pirajuí, na qual Tito Madi foi locutor, redator, cantor e diretor. Com a intenção de ser professor, Tito fez o curso normal, mas, ao concluir os estudos,
resolveu tentar a carreira artística em São Paulo, aonde chegou, em 1954, aos 22 anos.

Na capital paulista, Tito Madi começou a cantar no rádio e conseguiu um emprego na orquestra do maestro francês Georges Henry. Já com algumas músicas compostas, Tito Madi fez, naquele mesmo ano, a sua primeira gravação, o samba-canção Não diga não e recebeu da crítica especializada em música o prêmio de cantor revelação do ano.

No ano seguinte, vislumbrando a possibilidade de ascensão na carreira musical, Tito Madi decidiu se transferir para o Rio de Janeiro, na época o principal polo da música popular do país. Seu estilo de cantar se enquadrou no florescente ambiente das boates de Copacabana. Com o acompanhamento do pianista Ribamar, Tito Madi se tornou uma das principais atrações da noite carioca. Em 1956, lançou Chove lá fora uma das suas canções de maior sucesso, e recebeu o prêmio de melhor compositor do ano, entregue pelo Presidente Juscelino Kubitschek.

Foi por essa época que Buck Ram conheceu Tito Madi e fez o convite para que ele participasse de uma excursão dos Platters pela Europa. Tito recusou o convite e, nas suas palavras:

“isso foi a maior burrice da minha carreira [...] mas tive medo; o contrato dizia que ficaria nulo quando uma das partes quisesse se retirar. Eu não arrisquei”.

As músicas compostas por Tito Madi (da mesma forma que aquelas que eram feitas pela sua contemporânea Dolores Duran) antecipavam a renovação na nossa música popular que aconteceria no final da década de 1950. Para o crítico Tárik de Souza, “ambas eram despretensiosamente afinadas ideologicamente” e tornava-se difícil “precisar onde termina o samba-canção dos anos 50 e principia a bossa nova”.

Em 1959, Tito Madi gravou um dos maiores êxitos da sua carreira, a canção Menina Moça, do compositor carioca Luiz Antonio e que foi incluída em um filme nacional de grande sucesso na época [Matemática 0, Amor 10, 1960, direção: C. H. Christensen].

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Embora seja considerado um refinado estilista do samba-canção, Tito Madi também mostrou maestria quando incursionou por outros gêneros musicais. Compôs uma quase rancheira Gauchinha bem querer, que é uma das canções mais vinculadas ao Estado do Rio Grande do Sul. Sem se considerar pertencente ao grupo da bossa nova, Tito Madi fez, no entanto, uma das músicas mais identificadas com o movimento, Balanço Zona Sul, o primeiro grande sucesso do cantor Wilson Simonal e que teve inúmeras regravações.


A música que a juventude passou a consumir a partir de meados da década de 1960 foi gradualmente afastando a voz suave e os refinados sambas-canções de Tito Madi das chamadas “paradas de sucessos” e da mídia em geral. Em 2001, o cantor e compositor teve que bancar a produção de um disco autoral. Ao responder a uma pergunta do jornalista Pedro Alexandre Sanches acerca da razão pela qual um artista da sua importância precisava custear o seu próprio trabalho, Tito respondeu resignado:

“É o passar dos tempos, que muda tudo. Gravei em quase todas as companhias. Hoje, quando apareço para receber direitos, ninguém me conhece. Tenho que explicar quem sou, é muito desagradável”

Após catorze anos fora do mercado fonográfico, Tito Madi fez, em 2015, (quando ainda se recuperava de um AVC que havia sofrido), o lançamento do seu último disco, que teve arranjos do pianista e maestro Gilson Peranzzetta. Na ocasião, o jornalista e escritor Ruy Castro escreveu:

“se, nos últimos anos, tivemos muito menos Tito Madi do que merecíamos, culpe o mercado, o sistema, a conjuntura. Os tempos não estão propícios à sensibilidade”.

Em 2018, em um hospital, já muito doente, Tito Madi recebeu uma cópia de um disco que acabara de ser gravado, só com músicas suas: Nana Caymmi canta Tito Madi. A iniciativa da cantora reparava uma promessa nunca cumprida pelo cantor Roberto Carlos. Em 1977, em uma solenidade, Roberto declarou publicamente: “Está presente aquele que foi e continua sendo meu grande ídolo, com ele aprendi tudo que sei sobre cantar”. E depois, no camarim, segundo as palavras do próprio Tito Madi, “(Roberto) disse que faria um disco ‘Roberto Carlos canta Tito Madi’, com participação minha”.

Tito Madi morreu, no Rio de Janeiro, em setembro de 2018, aos 89 anos. Roberto Carlos, até hoje, não gravou nenhuma música daquele que ele dizia ser seu grande ídolo.



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  1. Muito bom. Parabéns! Conhecia pouco sobre a vida de Tito Madi e apenas o mais básico de sua produção musical. Na historiografia da música brasileira parece que há uma espécie de "hiato" entre "o tempo de Noel Rosa" e a Nossa Nova, e aquilo que fica "no meio" acaba tendo pouca visibilidade. É o problema de todos os recortes cronológicos, sempre há o risco de esconder mais que revelar. Quanto ao comportamento de Roberto Carlos, nada a estranhar, dado o conhecido egocentrismo e descompromisso dele. Isso não é um julgamento sobre a qualidade artística, mas sobre o comportamento do distinto.

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  2. Ops. Leia-se Bossa Nova, que o corretor fez a sua lambança.

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  3. Bela e nostalgica cronica, Flavio!
    Tito Madi fes belos sambas cancoes, eh da geracao pre-bossa nova, assim como os cantores Dick Farney e Lucio Alves, tambem inesquecíveis. "Chove la fora" figura em qualquer antologia da musica brasileira. Ha uma belissima interpretacao de Milton Nascimento.
    Ja "Balanco Zona Sul" eh reflexo da adesao de Tito Madi a bossa-nova.
    Parabens!

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  4. Obrigado mais uma vez pelo resgate de nossa memória musical. Já espero ansioso a cada semana a sua apresentação de um dos nossos esquecidos compositores, cantores e artistas nos brindando com seu conhecimento. Só me resta agradecer. Obrigado

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  5. Acabo de copiar, incluindo-o em um "pen-drive" a ser ouvido no carro, quando circulando por aí, o LP Nana Caymmi canta Tito Madi.
    São músicas que bem podemos e devemos incluir no rol das memoráveis, lamentando que o modernismo nos tenha conduzido a uma situação musical em que somos expostos, mesmo em ambientes visivelmente infenso à violência musical, ao mau gosto de algum servidor do estabelecimento comercial diverso a que estamos recorrendo, que considera seus clientes um bom alvo para tal procedimento, uma imersão de ruídos que, no máximo, podemos classificar de anti-musical, não no sentido de João Gilberto.
    Sem direito a revide...

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