É exclusivo do homem, de sua composição, que o espírito, a alma, seja que nome tenha, disponha de um corpo, transmigre com ele em format...

Ser bom não lhe pesava

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É exclusivo do homem, de sua composição, que o espírito, a alma, seja que nome tenha, disponha de um corpo, transmigre com ele em formato próprio, peculiar entre bilhões e bilhões, visível e tátil aos demais sentidos. Corpo, forma distinguível, aparência, mas dependendo desse espírito, guiado e caracterizado por ele.

Neste agosto que se despede, entre nós, menos mortal que os tradicionais meses de festas, faz vinte e cinco anos que o corpo de Chico Souto se ausentou. No entanto, o sorriso constante, estivesse só ou acompanhado, em nada se desfez na lembrança dos que sobrevivem a ele. O olhar maroto também não.

E já se vão vinte e cinco anos que não vou ao cartório, nunca para a escritura que raramente fiz, nem para qualquer outro documento notarial. Mas para reanimar-me no cenário, diria melhor comungar o estado de espírito presidido pela simplicidade bem-humorada daquele homem amado por fora e por dentro do cartório.

Pena que a maioria dos convivas do meu grupo tenha se ido com ele: Rubin Falcão, Sílvio Porto, Walter Arcoverde, o veemente velho Benevides, Waldir dos Santos Lima, Carneiro do Banco do Povo, Luiz Ferreira, os mais assíduos.

Ferreira, que aprendeu a escrever com os melhores portugueses da linha de Antero, Santo Antero na devoção de Eça de Queiroz, resumiu o essencial ao se despedir por escrito do seu grande amigo: “Não era estroina com relação ao dinheiro. Já de sua riqueza interior, o gasto era absolutamente perdulário. (...) O coração terminou matando-o. E tinha mesmo de ser assim, pois foi ele o órgão mais intensamente solicitado durante toda a sua vida”.

Num opúsculo com que o governo do Estado o homenageou, no 30º dia de sua morte, além de José Maranhão depõem Luiz Augusto Crispim, Ferreira já citado, João Manuel de Carvalho, Severino Ramos, Nelson Coelho, José Ricardo Porto, Cristiano Machado, todos assinando em baixo a síntese de Crispim no seu modo peculiar de ver e dizer: “Ser bom não lhe pesava nem um pouco”.

O coração, entretanto, não era só para familiares e amigos. Registrei, em seu tempo: “A cidade de Esperança ganhou com Chico a prosperidade mais bem repartida que é a que chega a todos ‘segundo a sua necessidade’. Não havia um Souto com trator do Estado em sua propriedade ou um beneficiário privilegiado das benesses oficiais. Tudo era para Esperança. Tendo a maioria dos votos de sua terra, barganhava com esse privilégio para obter colégio, abastecimento de água, eletrificação, maternidade, postos de saúde, obras e serviços que transformaram a vida social da cidade de antigas disputas udeno-pessedistas”.

Antecipou-se, na Assembleia, à ideia das agrovilas e propôs a divisão de parte de Camaratuba em lotes de 15 hectares para agricultores sem terra. Mas houve uma frase, na justificativa, que pudesse explicar sua cassação em 1969: “Temos em todo o Nordeste e em todo o Brasil um problema cruciante que pereniza a miséria dos camponeses, como estruturação mais atrasada e reacionária da economia do país: o latifúndio.” A linguagem e a proposta não podiam casar com a ideologia intolerante dos democratas fardados de 1964.

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  1. Um personagem exemplo de agregação , cultura e fidelidade aos amigos!

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