HOZANETE (Para minha irmã – in memoriam) Quantos não diziam Que eras difícil, impulsiva, intratável, Que eras rigoros...

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HOZANETE
(Para minha irmã – in memoriam) Quantos não diziam Que eras difícil, impulsiva, intratável, Que eras rigorosa, inflexível, Que eras, às vezes, sobranceira, Que eras apenas certezas, Que eras recalcitrante, intolerante!? Fiquei achando que só tinhas defeitos. De-repente-a-noite-universal-visita-a-família- Sem-mandar-telegrama E te rouba os terríveis todos defeitos, E tu ficaste tão silenciosamente boa, Tão insuportavelmente tolerante, Na tua indiferença! (Morrer desnasce a verdade? Recordar esquece a memória?) Mas eu queria mesmo os teus defeitos Em carne-viva, A fratura exposta dos teus defeitos, A bondade infinita da tua intolerância Toda a vida.
MINHA MÃE
Para Josefa Morais de Carvalho (Dona Nina) – in memoriam Se A querias Tua, Senhor, Por que Dela fizeste Fiapo meu de luz Na sombria infância, Delicada canção doando-me, Em tanta noite, o sonho? Por que a infinita oferta provisória: Tanto delicado afeto amplificado Na pudicícia de cada gesto, Quanto mais discreto, De mais iniludível amor? Por que, Senhor, A partilha, Como se mera matéria fora Para fátua prestidigitação Da natureza, do acaso, ou Tua? Mas não A levaste de mim, Que mais que morto perambulo, Espectral Ashverus, só Para que Ela viva em mim Inútil o dedo inexorável do Eterno Tentar deliquescer minhas raízes De Pessoa e Carvalho: Indelével, Sua blandícia, Esta me Nina em mim.
MEU PAI
Teu pulso já não sabia a relógio. Estavas finalmente despido De mapas e registos, De tudo que sugerisse Uma verdade de fora. Agora, inseparável, A bengala (o Cajado?), Triste lembrança do tigre ausente ou desejo de ser Moisés? Sentavas sempre no mesmo lugar, E somente tuas mãos conversavam, Se procuravam (ou procuravam a ternura jamais entendida ou formulada?). A imagem do mundo A ti distribuída Chegava através deste vidro de grau Sempre embaçado. E havia um mesmo rio interno Em que lavavas, Todos os dias, os sempre mesmos dias, Contrariando, em tua ignorância de raiz, Toda sabedoria do Grego. Tudo em ti parecia estar ali para nunca; Tu mesmo parecias não ter tido início: Parecias o anúncio do primevo instante Que ainda não começou Ou nunca iria começar. O teu único presente Era desembrulhar os corvos Do passado: as sombras Familiais que não perdoas (Ou não te perdoam); E se mais um dia tecias, Era com esse fiapo de rancor. Esse o documentário em flashback, Que exibias em sessões contínuas Para pessoas-cadeiras sempre vazias.
A PRÓDIGA AUSÊNCIA
(Para Vicente Gonçalves de Morais, meu pai – in memoriam) E me coube, do espólio, Esta descoberta dívida: Nunca ter lido teus signos Antes do dobrar dos sinos. Hoje, vestígios falidos, Que o abraço se faz ínvio, Revela-se o segredo fino: O afeto à sombra do esquivo. Da especulação do exílio (Dever e haver confundidos), Restam-me moras de Sísifo: Esta sagração de filho.

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  1. Muito bom. Muito bom. Gostei bastante de todos os poemas apresentados. Disto, especialmente:


    "tuas mãos conversavam,
    Se procuravam
    (ou procuravam a ternura
    jamais entendida ou formulada?)"

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    Respostas
    1. Obrigado, Solha, pela leitura, pela apreciação.

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    2. Obrigado, Solha, pela leitura e apreciação.

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