“A Pátria nasceu aqui”, avisa aos circunstantes uma daquelas placas de boas-vindas sobre estradas, ou ruas, indicativas de limites int...

Um bode nas urnas

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“A Pátria nasceu aqui”, avisa aos circunstantes uma daquelas placas de boas-vindas sobre estradas, ou ruas, indicativas de limites intermunicipais. O berço da Pátria, assim tido, é Jaboatão dos Guararapes, na área metropolitana do Recife. Dependurada sobre a Avenida Dr. José Rufino, no subúrbio de Tejipió, a tal placa alude à Batalha travada nos idos de 1649 contra os holandeses.

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Brancos, negros e índios, ali irmanados, terminaram por expulsar os invasores. Pois bem, esse esforço conjunto e a mistura das três raças na composição da etnia brasileira é o que motiva a referência à origem da brasilidade. É claro que índios e negros continuariam escravizados e espoliados no transcurso de séculos por aqueles com os quais se ombrearam na luta contra as tropas de Maurício de Nassau. Mas é outra história.

Sim, pois o presente texto trata mesmo é do Bode Cheiroso, dono da maior votação popular para a Câmara dos Vereadores de Jaboatão, em fins de 1950. A cidade, 14 anos depois disso, seria conhecida por Moscouzinho em alusão, desta vez, à militância do pessoal do Sindicato dos Ferroviários sob a mira do governo militar.
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O Bode, assim consagrado, ganhou fama nacional, a ponto de figurar nos informativos das emissoras de rádio, nas manchetes dos jornais e, até, nas páginas da Revista O CRUZEIRO.

Eu o conheci mal chegado ao Recife para os estudos primários. Ele, então, já se anunciava pelo incrível fedor aos espíritos desprevenidos antes que os olhos o vissem. Estávamos eu e a Prima Cleide no pátio da Estação de Trem de Coqueiral quando o mau cheiro me veio às ventas com o efeito de um tabefe. Minha companheira de caminhada tapou o nariz, olhou-me com uma cara engraçada e, antes que eu dissesse “não fui eu”, gritou para mim: “Corre, que lá vem o Bode”. Disparou na frente às gargalhadas enquanto eu a perseguia.

Três, ou quatro dias depois, repetia-se o mesmo cheiro dos infernos, agora à saída da aula, sem que nenhum de nós percebesse a direção de onde provinha, espalhado que estava por todo canto. Os alunos da Professora Lúcia repetiam o aviso: “Lá vem Cheiroso”. E assim foi até o dia em que eu, desasnado o suficiente para ir à escola sozinho, decidi aguardar numa esquina a passagem do bicho. Não há exagero na afirmativa de que a aparência lhe fazia justiça à catinga.

As histórias a seu respeito me chegaram aos poucos. Grande, peludo e sujo, ele percorria bairros inteiros sem que ninguém o molestasse. Disseram-me que roubava bananas nos Mercados Públicos antes que os vendedores tivessem tempo de recolhê-las e que ganhava comida dos donos de bares, padarias e
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lanchonetes esperançosos, todos eles, de que dali saísse o mais rapidamente possível para não espantar a freguesia.

Anos depois, de volta à Paraíba, o noticiário me dava conta da maior votação por ele obtida para a Câmara de Jaboatão. E que, a partir daí, os vendedores de banana, por deboche, anotavam na caderneta de fiados aquilo que consumia para cobrança do prejuízo ao Erário Municipal. Ganhou, mas, evidentemente, não assumiu o posto que o sistema político sempre reserva às criaturas com duas patas. Eram assuntos dos quais me dava notícia a Rádio Jornal do Commercio, aquela que falava para o Mundo.

Quase ninguém soube do seu dono, um policial militar, nem a idade que tinha quando morreu. Por falar nisso, teve uma morte trágica. Foi atropelado pelo trem da madrugada, em princípios de 1970. Houve quem propusesse cadeia para o maquinista, luto oficial por três dias, bandeiras a meio mastro e ponto facultativo no dia do enterro.

De uns tempos para cá, tenho lembrado do Bode Cheiroso a cada período eleitoral. Talvez, porque um tanto desesperançado e muito invejoso eu deseje sua vida sem dono, despesas nem amarras. Se pudesse assim viver eu me permitiria uma única concessão: a do banho.

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  1. Flávio Ramalho de Brito9/9/22 09:27

    Meu caro Frutuoso, está faltando mesmo Bodes Cheirosos e Cacarecos nas próximas eleições

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    1. frutuosochaves@gmail.com9/9/22 09:28

      - Concordo, amigo.

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  2. Lembremos, também, da falta que fazem os sucessores desse memorável personagem em alguns outros segmentos de nossa sociedade.

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    Respostas
    1. Anônimo9/9/22 10:38

      frutuosochaves@gmail

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    2. frutuosochaves@gmail.com9/9/22 10:40

      - Pois é...

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