Dentro da Mercearia, os três homens bebericam a intervalos espaçados, fumando nesse tempo. Escutaram o barulho do ônibus chegando, e saindo, depois de rápido momento, sem nada comentar, nem se dispor a dar uma olhada, embora Dega Veíno, pesando açúcar por trás do balcão, tivesse ângulo suficiente para ver na direção da parada. Isso que fez. Apertou ligeiramente as pálpebras e filtrou um pouco da claridade lá fora. Alguém se movia por lá, no outro lado do canteiro, mas nem dando para reconhecer dali. Um doce se consegue ficar parado. Até o poste fica tremido. Já foi para um canto, para o outro, às vez anda. Pára. Parou de novo, agora. Tinha um pano na cabeça, e agora tirou. É bem um doido. Conversando sozinho, no meio do tempo.
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Estelita limpa os borrões uma vez por semana. Aproveita- se de uma hora em que aqueles homens não estejam. Dega está acostumado a vê-la romper o silêncio habitual da casa. Até que gosta. É a única voz de mulher que restou na casa, apesar de irascível e belicosa, destrata uma gente vaga e inominável, a quem se sabe homens por artigo e terminação genérica, sebosos todos eles, em predicativa, e deles, diz, deviam andar com uma escarradeira pendurada no pescoço, etc., mas ruim mesmo só aquele modo de falar em que a culpa por tudo acaba, de um jeito ou de outro recaindo sobre ele, o pai, o besta ali, que se presta a cortar para eles do negro e oleoso fumo disposto em rolo sobre a bancada, e que depois lhes fornece o invólucro de papel seda, e ainda os permite confeccionar seus cigarros ali, na sombra do armazém, sentados – se não sobre um tamborete, sobre algum caixote de sabão, ou mesmo com a bunda sobre uma lata brilhante de Pior sem Ela –, e ali mesmo fumá-los, empestando o armazém, por si só, já sobrecarregado de tanto cheiro forte.
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Há o som de passos se aproximando. Do balcão, Dega lança um rápido olhar para fora, tempo suficiente para constatar que Inácio não se enganara. Então era esse, no sol quente. Mas tinha que ser esse. Os passos agora dentro da mercearia. Rentes ao balcão, Bom dia. Melhor, boa tarde, passa do meio dia..., ia dizendo, e, de repente, mexeu-se, como se levado uma cutucada nas costas. Os joelhos se quinaram e ele girou o tronco para o lado, no mesmo movimento com uma rápida assentida de olhar para o pequeno grupo de homens, recuados e à sua esquerda, ao expor e tentar corrigir a própria distração. Sorriso meio que atrapalhado, de desculpas.
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De cima para baixo, a inspeção encerra-se nuns sapatos pretos e de bico fino. A calça frouxa e vincada cobre parte deles. Seu Dega... o senhor deve saber que eu estudo em Colinas..., cofia desajeitado a ponta de cabelos na fronte, tentando que convirja para um lado, Bom, disse, estudava. Ontem foi minha festa de formatura, e eu vim direto trazer o diploma para entregá-lo ao velho... Gil Macena, o Sr. Sabe, então foi a vez de olhá-lo, lentamente, e aos poucos. Os cabelos tinham uma qualidade indefinível de algo que talvez tivesse sido de grande utilidade em algum passado remoto da história natural, num grau utilitário a se medir com unhas e dentes, mas caindo nos últimos tempos em visível desuso, não passando de um estorvo do qual faria melhor negócio livrar-se deles. Gotículas de suor pululavam abaixo deles, no cimo da fronte. Dega Veíno por um momen- to de olhar fixo nele, e depois naquela ponta de cabelo. Nem dava para acreditar naquilo. Mas não disse nada, esperando. Ele continuou,
... Como pode ver, ainda estou com essa roupa, fez então ligeiro salamaleque, arlequíneo, recuou o tronco enquanto baixava a cabeça, os braços ligeiramente abertos,
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À noite, ou amanhã de manhã estou de volta por aqui e lhe trago o dinheiro, se não for pedir demais, claro...Gastei o que tinha com a festa de formatura, o Sr. Sabe.
Já então sacudia a borda do saco de papel sobre o prato, olhos rebaixados para o fiel da balança, sem responder de pronto, o que deu tempo para ele reforçar, Pai me dará o dinheiro, seu Dega, então o pegador de açúcar foi largado no saco, enquanto pousava os punhos na quina do balcão, os dois braços como duas alavancas em repouso, enquanto falava e se fazia acompanhar de um lento movimento de negação com a cabeça, Posso não, disse, Vai desculpar.
Deu-se um silêncio. Com absolutamente coisa alguma se movendo por ali. O silencio foi quebrado por quem o provocara, depois de uma rápida olhada,
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Então ele pigarreou e gaguejou um pouco, antes de voltar a falar, Não estou querendo comprar fiado. É um imprevisto. Ainda hoje trarei o dinheiro para o senhor, disse e olhou para os homens, buscando talvez algum tipo de apoio, mas eles tinham todos o olhar distante. Então ouviu novamente, Posso não.
(Fragmento de “O Verniz dos Santos Policromados”, romance do autor a ser publicado)