TEMPO DE MORTOS Escute, Oscar, com calma me ouça. Não se emocione sempre e tanto assim. Este não é um tempo de poetas, E...

Um dia — profundamente — dormirás

oscar gama filho literatura capixaba
 
 
 
TEMPO DE MORTOS
Escute, Oscar, com calma me ouça. Não se emocione sempre e tanto assim. Este não é um tempo de poetas, Este não é um tempo de rimas, Este é um tempo de mortos: Todos estão empenhados em matar os outros e em matar a si mesmos, O amor se tornou um tipo especial de bolsa de valores a que apenas os ingênuos se dedicam, Teóricos se empenham em provar que a arte está morta e que todas as relações, possibilidades e esperanças morreram. A você, que um dia se mata mas em outro ressurge, Cabe a tarefa necessária mas impossível de ressuscitar os mortos. Não se assuste com a responsabilidade. Principalmente, não a leve tão a sério, Ou correrá o risco de matar e de ser morto. Arme-se todo de doçura, de ingenuidade, de pureza e de crença nos homens. Olhe-os nos olhos, como você faz, e eles tremerão. Verdade, aquilo que você oferece de melhor e do modo mais amoroso será alvo de deboche. Seu nome será arrastado pelas bocas e seu corpo será esticado nas masmorras em tom de escárnio. Palavras duras como pedras serão atiradas. O alvo, você bem sabe, será sua cabeça e, principalmente, sua alma e este seu estranho sentimento do mundo. Ofereça sua alma e sua emoção aos homens de pedra. Não tente se desviar dos projéteis. São mísseis infalíveis teleguiados atraídos pelo calor da vida que destroem. Messiânicos e dogmáticos, eles têm uma missão a cumprir. A única coisa que poderá detê-los é seu sangue. Com amor, ofereça-lhes o peito, dê-lhes de beber. É justo: têm sede e são insaciáveis. E você, Oscaro, é inesgotável. Pelo menos até um dia se esgotar. A música em verso do seu sangue acalmará até mesmo os animais e lhes restituirá a vitalidade perdida. Sim, são mortos-vivos, mas o sangue dos poetas é libertador, delicioso e ressuscita. Sei, bem sei que seu sonho é não mais escrever, É abandonar a pena dos outros e, como os outros, morrer para o que realmente se vive. Por que você escreve tanto, então? Calma, amigo insone, recupera a paz e não deixa de fazer o que te faz. Só assim, tranquilo e sempre-vivo, Um dia — profundamente — dormirás.
O SAMURAI SEM HONRA
Aos terroristas no poder Ao acordar, desmoralizado, desejo a morte. Mas, cego pelo poder, não a enxergo. Sem honra, luto com a vergonha. E venço. Deposito meus olhos na honra, Sem que ela esteja no depósito bancário em minha conta. Depois tento fitá-la em lembranças da luta armada em que ela estava nas mentiras de trabalho, paz e amor. Mas ela corre, porque me entende, gritando “assaz o Caos e o Terror”! Que tipo de honra se nega a permanecer na memória de seu dono, que se nega a ser distorcida, Que não permite participar da minha mentira, Que tipo de honra pode ter algum escrúpulo em afirmar que molha o povo com paz e amor quando apenas o está marinando para o Terror completo, irreversível, para o Caos? “— Não desejo o poder nem implantar a ditadura. Já tenho um e outro e sei o que desejo, afinal: — Meu sonho terrorista sempre foi implantar o Caos! Se com honra não é possível, luto com a vergonha.” “— Nunca desejei ordem nem progresso nem trabalho. A Teoria do Caos sempre presidiu a entropia do Terror. Minha meta samurai sempre foi disseminar o horror, Se a vida do povo sempre foi ruim, quero o muito pior!” Não vejo o que ali está, o inegável fato, Porque luto pelo Caos absoluto e alucinadamente o enxergo e tento trazê-lo para perto. Cego que sou, sem ele estar, enxergo. Paciência: se o Caos destrói a honra, Luto com a vergonha que não tenho e venço.

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