Há muitos anos que me incomoda a relação de nós mulheres com o nosso corpo. A pressão da sociedade por corpos irrealizáveis. Sempre fu...

Corpo em pedaços

mulher corpo exploracao
Há muitos anos que me incomoda a relação de nós mulheres com o nosso corpo. A pressão da sociedade por corpos irrealizáveis. Sempre fui magrela, e naqueles tempos, sofria por não ter peito grande. As minhas amigas todas tinham. E logo eu que adorava decotes ousados, transparências e biquinis minúsculos. Mas fui em frente até o namorado elogiar os meus pequenos. Precisei do olhar masculino para levantar a visão que tinha do meu corpo magro.

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Ana Adelaide Peixoto Acervo pessoal
Depois dos 55 anos descuidei e enfie o pé na jaca. Junto com menopausa, ansiedade e doutorado ganhei quilos. E agora, veio peito grande e todo o resto. Demoro no espelho a me reconhecer. E não tenho disciplina para sozinha, e gostando de comer, ficar nos grãos e quantias pequenas e, claro, aeróbicas muitas. E sempre, e há muito, que quando mulheres se reúnem, estamos sempre a falar do: braço que não ousa dizer tchau, porque balança; da bunda caída, peito empinado; olheiras, peles nos olhos, celulite nas coxas, código de barras na boca, bigode chinês, barriga de tanque, pescoço engelhado e que não nega a idade, mãos que já viveram..., enfim, tudo desmembrado. E nessa maratona pelo corpo fragmentado, ele se estende na profissão. Médicas, engenheiras, nutricionistas, advogadas, jornalistas, tem obrigação de ter o corpo perfeito. Exigência antes de tudo.

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Ana Adelaide Peixoto Acervo pessoal
E tudo isso me tomou de assombro de novo, pela morte da Influencer, Luana Andrade, mulher de corpo todo repaginado e passado por intervenções, mas que, faltava o joelho. Olha só, o joelho. E Luana foi fazer uma lipoaspiração nos joelhos e morreu de 5 paradas cardíacas.

Nós mulheres, vivemos nessa loucura da pressão estética, não importando idade, nem corpo. Uma estrutura machista de mundo que exige de nós um padrão inalcançável. E daí tomamos remédios, nos violentamos, fazemos cirurgias plásticas, para chegar sabe-se deus onde? Numa isonomia tão desigual! Aos homens, corpo nenhum é cobrado.Pelo contrário: gordos, magros, feios, bonitos, barrigudos, carecas, baixinhos e altos, todos são benvindos e em profissão nenhuma se olha primeiro para os braços flácidos de um homem. Ele pode dizer tchau à vontade que, o seu talento será inquestionável.

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Margot Noyelle
Para as mulheres, o corpo é um passaporte para a escolha. Ser escolhida para o amor. O corpo é uma condição de ocupação de espaço para o casamento. Ou ir à praia. No Brasil, quando chega o mês de julho, começa a maratona para a pressão estética radical; para se ter um corpo de verão. Um corpo nu. E tome academia para se modelar um corpo de Miss Brasil, mas que, a nossa diversidade não deixa. Somos tantas. E essa pressão reduz as mulheres a fazerem qualquer coisa com o seu templo sagrado – o seu corpo. Um corpo “perfeito” para agradar. Agradar antes de tudo, aos homens.

Mas o limite desse corpo e esse padrão do corpo perfeito tem nome – Insatisfação. E taí Luana, que infelizmente não me deixa mentir. Uma lipoaspiração de joelho? O que é isso? Vi as fotos dessa moça toda dentro desses padrões que achava que exigiam: peitos fartos siliconados, barriga tanquinho, bunda torneada, coxas de atleta, linda, jovem – 29 anos, desejada, mas nada disso minimizou o que ela achava dos seus joelhos. Que tragédia! E a que lugar chegamos? Tantas lutas de nós mulheres para a cada dia a gente ter o espelho como inimigo, e, não cultivar a calma, a paz interior, a alegria, o desejo, o amor, a satisfação plena, a curiosidade, o entusiasmo, o agradecimento, e tantos prazeres outonais ou primaveris que a vida nos oferece.

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Acervo pessoal
A filósofa estadunidense, Donna Haraway, autora de ensaios fundamentais na área de Ciência e Feminismo, no seu texto “Um Manifesto para os Cyborgs: Ciência, Tecnologia e Feminismo Socialista na década de 80”, teorizava sobre essa busca pelos organismos cibernéticos híbridos; a máquina no que dizia respeito à ficção científica contemporânea; criaturas simultaneamente animal e máquina, o que me levou à relacionar os nossos corpos des-pedaçados às suas ideias, quando ela diz: “O cyborg é um tipo de ficção e experiência vivida que muda aquilo que foi estabelecido como “experiência feminina” nas últimas décadas do século XX. Esta é uma luta de vida ou morte, mas o limite é uma ilusão de ótica”.

A ilusão de Luana é a nossa ilusão que, mesmo já há mais de 20 anos do século XXI, ainda estamos na busca desenfreada desse corpo mal engembrado e máquina, como também em busca do cyborg com que sonhamos. Mesmo que, ele seja ilusório. E que nos leve à morte.

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