A pandemia do coronavirus tem pressionado a humanidade a entender que é hora de promover uma revolução solidária. A sociedade, em todo ...


A pandemia do coronavirus tem pressionado a humanidade a entender que é hora de promover uma revolução solidária. A sociedade, em todo o mundo, tendo que fazer escolhas entre manter-se numa postura de egoísmo e ganância ou adotar condutas de colaboração recíproca, sem vinculações a limites geográficos ou diferenças de ordem social, econômica e política. A necessidade de assumir o espírito de fraternidade.

Estamos sendo intimados a perceber os sentimentos alheios, despertando valores íntimos como compaixão e piedade. Fazendo prevalecer o altruísmo, praticando gestos capazes de transformar pessoas e circunstâncias, no propósito voluntário de contribuir sem esperar algo em troca.

O presidente de El Salvador, dirigindo-se a grandes empresários do seu país, afirmou: “Vocês têm dinheiro para viver dez vidas, mas agora ao precisarem de um hospital e um respirador, de nada vai adiantar a sua conta bancária”. Este alerta define bem a situação em que todos nos encontramos. Para sobreviver necessitamos da ajuda uns dos outros. Não entender isso é tomar partido pela política da morte.

O coronavírus surgiu como uma doença dos ricos. Porém ela socializou-se alcançando todas as classes sociais, com danos maiores, obviamente, aos que vivem em condições de pobreza. Não é difícil chegar a essa conclusão. A propagação comunitária invadindo as periferias, onde o isolamento social torna-se impossível de ser respeitado. Sem falar que milhões de pessoas moram em áreas urbanas sem saneamento básico adequado. Essa população sofre um efeito mais devastador da pandemia.

Urge revaliarmos o modo de ver o mundo ao nosso redor. Solidariamente, nos envolvermos em ações que possam mitigar o sofrimento dos mais necessitados, valorizando as vidas das pessoas, sem a preocupação imediata com a perda de lucros dos que vivem de ganhos econômicos. A crise sanitária que nos amedronta vem provocando espontâneas manifestações de apoio solidário, sem esperarem a necessária intervenção dos poderes públicos.

Começo a acreditar num avanço revolucionário de consciência coletiva, capaz de subverter a lógica capitalista de concentração de riquezas e de exclusão social. As tragédias são mais eficazmente contidas quando se verificam procedimentos pautados na cooperação, no entendimento e na paz. A onda de solidariedade que estamos assistindo é, sem qualquer dúvida, a forma mais correta de combater a pandemia do coronavírus. Unidos conseguiremos vencer os medos e as incertezas do momento.

Tomara que saiamos desse quadro de grandes preocupações menos individualistas, oferecendo mais importância ao convívio social, sem discriminações, respeitando as dessemelhanças. Fortaleçamos o grau de coalizão da sociedade promovendo a revolução solidária que o mundo está a carecer.


Rui Leitão é jornalista e escritor (João Pessoa-PB). iurleitao@hotmail.com

O amigo me mandou algumas fotografias – por correio eletrônico (e por isso mesmo não sei se o nome está correto; essas imagens digita...


O amigo me mandou algumas fotografias – por correio eletrônico (e por isso mesmo não sei se o nome está correto; essas imagens digitais são “fotografias”? Depois consultemos nosso amigo Aurélio; por hora fechemos o parêntese, literalmente); e chamou aquele álbum de “Uma tarde no centro histórico...”.

Não soubesse eu de que tarde se tratava, diria que aquelas fotografias, de prédios antigos e praças, haviam sido tiradas em paragens distantes, em alguma cidadezinha pacata das tantas terras estrangeiras que ele habituara-se a visitar, dada ausência de alvoroço nas ruas. Porém, aqueles velhos casarões e aqueles singelos jardins estão bem aqui, na nossa cidade, no aludido e esquecido centro histórico. Vendo essas ruas vazias – é domingo à tarde na imagem paralisada pela tecnologia –, onde agora, no centro da ribalta, se destacam as construções – que normalmente são meros figurantes dos astros principais, os transeuntes frenéticos que ali resolvem suas vidas e cumprem suas rotinas humanas nos dias que chamamos de úteis –, percebo como são belas, e que geralmente me passam despercebidas.

Quão formosos ainda, posto que descuidados, os prédios que outrora abrigaram tantas almas que já não coabitam conosco. Naquela casa amarela – será que sempre o fora? –, a da amiga, a moça deve ter-se escondido do pretendente indesejado por desajeitado, ainda que por seu pai abraçado por abastado (permitam-me a aliteração maljeitosa); naqueloutra, azul, o senhor via passar, tenho certeza, da grande janela, as pessoas indo e vindo e inevitavelmente os anos, esses apenas indo, porquanto jamais voltavam os ingratos, na ampulheta perversa da existência (que absurdo! cronista; pois não é você mesmo quem está a descrever a beleza da vida? Otimismo homem, otimismo...). Ah, que belo jardim! Se hoje vendem panelas e pilhas em suas alamedas, outrora casais ali se descobriam – ou se despediam (mania de aliteração!) – e pais orgulhosos expunham o mundo aos seus filhos, e estes àquele, pois inevitável. A igreja: um dia orgulhou-se de ser o prédio mais alto da cidade; já não o é. A divindade foi perdendo espaço para o homem, que se foi amontoando em edifícios.

Assim com as casas, assim com as gentes. Se me aflora a beleza das construções apenas quando em fotos, olvidando-a na pressa da vida, na desatenção com o mundo que me rodeia, na primariedade egoística do que é apenas meu – e não é muita coisa –, não digo diferente das pessoas. Observando aquelas paredes e portas e janelas, olhando detidamente os jardins, passo a ver sorrisos, desalentos e a ouvir vozes. E o reboco torna-se pele; e as janelas, olhos; e as portas, bocas; e a chuva não passa de lágrimas; não tarda e tenho muitos rostos a encarar-me, indagando-me da sua importância na minha vida. As pessoas me rodeiam e me são importantes, mas só as percebo quando as vejo em velhas fotos, quando observo o intangível passado. Felizes daqueles que não precisam das fotos para enxergar o quanto lhes é importante tudo: os prédios, os jardins, as gentes... Não fui agraciado com essa virtude, mas faço uso de ardil para evitar os atropelos da consciência: não revolvo meus álbuns, para que eles não me exponham a fraqueza.


Douglas Antério é advogado e cronista (Campina Grande-PB).
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Estava a reler o belo romance do suíço Pascal Mercier “Trem noturno para Lisboa” (tradução de Kristina Michahelles, Editora Record) e me de...


Estava a reler o belo romance do suíço Pascal Mercier “Trem noturno para Lisboa” (tradução de Kristina Michahelles, Editora Record) e me detive, à página 213, na inquietação e na angústia que assaltaram o personagem Jorge, no meio da noite, quando tomou consciência de que não haveria mais tempo para ele aprender a tocar o piano que, num impulso, comprara recentemente. “O piano de cauda – desde essa noite, ele me lembra que existem coisas que eu não vou mais ter tempo de fazer”, diz Jorge, para continuar: “Não se trata de pequenas alegrias insignificantes e prazeres fugidios, como engolir um copo d’água num dia de calor e poeira. Trata-se de coisas que desejamos fazer e experimentar porque só elas podem dar um sentido completo a esta nossa vida muito particular, e porque sem elas a vida permaneceria incompleta, um torso e mero fragmento.”.

Quem já, a partir de certa fase da vida, não experimentou tal desgosto, para não dizer tal tormento? São todos os sentimentos que afloram a partir da consciência da finitude, da brevidade e da precariedade de nossa existência. Simplesmente, de repente, de alguma forma sabemos que não teremos tempo para tudo que desejamos, para tudo que gostaríamos de vivenciar no tempo mais ou menos curto de nossa passagem pelo mundo. Que restarão sempre coisas que não serão feitas, experiências que não serão vividas, ou seja, que o que poderemos degustar da vida será sempre aquém de nossa fome, razão mais do que suficiente para inquietações e angústias. Ou não.

É verdade: ou não. Pois poderia ser de outra forma? Haverá porventura alguma vida plena, totalmente realizada, a ponto de não restar nada a concluir, nenhum desejo e nenhum sonho a satisfazer, alguma frustração, mínima que seja, que é a marca mesma de nossa limitada humanidade?

Alguém falou que deveríamos ter duas vidas: a primeira como ensaio; a segunda pra valer, sem apelação. Concordo. Mas sabendo que ainda assim seria pouco e que na segunda vez, mesmo com todo o suposto aprendizado anterior, ocorreriam erros, omissões e incompletudes. Como se diz, será sempre pouca vida para tanta arte.

O remédio, se remédio há, não pode ser outro senão aceitar com sabedoria e resignação essas tais incompletudes, inevitáveis que são. Aceitemos que sempre haverá um intocado piano na sala de todos nós, “monumento negro ao sonho irrealizável de uma vida plena”.

E o melhor de tudo, suprassumo da sapiência, seria nem mesmo chegar a comprar o tal piano. Saber logo, sem ilusões, e de uma vez por todas, que não teremos tempo de aprender a tocá-lo. Não nessa vida única, sem segunda chance, que nos cabe.


Francisco Gil Messias é ex-procurador-geral da UFPB
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(in memoriam) E eis que chega a   Semana   Santa   mostrando um Jesus traído, condenado, chicoteado, ensanguentado e, por fim, cr...


(in memoriam)
E eis que chega a Semana Santa mostrando um Jesus traído, condenado, chicoteado, ensanguentado e, por fim, crucificado, no alto de um monte chamado o Monte da Caveira. Lá estava ele, de braços abertos, ensanguentado e tendo como companheiro dois marginais.

E é essa imagem que a Semana Santa traz para as ruas, cinema, teatro, televisão, espetáculos que rendem bom dinheiro para os seus promotores. Tanta coisa bonita no Evangelho para se evocar e mostrar, mas o que se quer exigir, naquele momento, é um Jesus moribundo, coroado de espinhos, humilhado e ofendido. E haja chicotadas no corpo magro, haja cusparadas no rosto suado, haja humilhações e mais humilhações.

Essa a imagem que mais atrai as multidões e os religiosos. Essa a imagem que mais fascina o público, que mais é evocada nas comemorações da semana que passou.

Não. Dependesse de mim, jamais seriam relembrados tais episódios. Jamais eu gostaria de ver, todo ano, um filho em situações tão dolorosas... Que as Escrituras evoquem aquela triste peregrinação do Mestre, está bem. Mas que tudo fique apenas registrado na História. Para que dramatizar e relembrar tão dolorosos sentimentos? Não haveria aí um triste sadismo? E eu chego até ao exagero – e o leitor vá me perdoando minha susceptibilidade – de sugerir que não se evoque mais a imagem de Jesus na cruz. Não gosto de vê-lo pregado numa cruz, nas igrejas, nas repartições públicas, nas assembleias legislativas e em volta dos pescoços das mulheres.

A imagem do Jesus que eu quero ver não é a do Jesus morto, mas a do Jesus vivo, do Jesus convidando-nos a olhar os lírios do campo e as aves do céu, do Jesus, no alto da montanha, pregando o seu sermão inaugural, do Jesus convidando as criançcnhas para um abraço fraterno e paterno, o do Jesus limpando leprosos, dando a vista aos cegos, levantando paralíticos, dando voz aos mudos, o do Jesus no Monte Tabor conversando com os espíritos, todo iluminado, do Jesus levitando sobre as águas... Ah, leitor, esse o Jesus que eu desejo ver sempre.

E abaixo o luto, a tristeza, a agonia. Ao invés de agonia, o que desejamos é alegria. Jesus nunca foi pessimista. Todo o seu Evangelho é um hino à fé. "Pedi e vos será dado, buscai e achareis, batei e se abrir-vos-á", recomendava ele. "Eu sou o caminho, a verdade e a vida".

Luto na Semana Santa, jamais! O luto, há muito tempo que deixou ser usado quando uma pessoa morria. E havia aquele que usava o chamado luto fechado... Felizmente, acabou-se o costume. Não é com luto que se deve expressar a saudade dos mortos queridos, tanto é assim que os caixões mortuários estão sempre enfeitados de flores. Sim, flores que são o sorriso da Natureza.

Pense num velório! Calma: antes de se escandalizar deixe-me tecer algumas considerações sobre o assunto. De saída, tia Anjinha era a m...


Pense num velório! Calma: antes de se escandalizar deixe-me tecer algumas considerações sobre o assunto. De saída, tia Anjinha era a minha tia predileta.

Era a irmã mais nova da minha avó. Conhecida pela sua formosura, desde criança, em sua juventude foi Miss Vale do Piancó, por ser uma das moças mais belas daquela região, berço da minha família.

Mãe de primos e primas que eu adoro, sempre foi uma mulher dinâmica, muito bem organizada, mãe de família determinada, mas possuidora de uma candura que cativava quem a conhecia. Não por coincidência, seu nome era exatamente Ângela.

Ela gostava muito de mim, ao ponto de ter me escolhido para seu médico-assistente. Pois esta é a minha homenagem à tia Anjinha, realmente um anjo de pessoa.

* * *

A minha concepção sobre a perda de alguém é a seguinte: quando o ente querido ainda é novo, ou de idade já provecta, porém ainda producente, a sua perda é muito lamentada, muito sentida. Seu velório e´...
... UM VELÓRIO!

Mas quando a pessoa já é bem “morrível”, a qualquer momento se espera a notícia, o velório passa a ser um reencontro. Toma ares de quase alegria por poder revermos parentes e pessoas que há muito não víamos.

O velório se torna um verdadeiro recenseamento: quem levou chifre, quem corneou, quem casou de novo, quantos netos tem. Quem desmunhecou!

No velório da tia Anjinha, tive a oportunidade de rever amigos de infância, velhos companheiros dos banhos de rio (escondido de mamãe, é claro!), das peladas, das vaquejadas, das primeiras experiências da juventude.

Fôramos habitués da sinuca de Ananias e dos assustados na sorveteria de Walter. E, às escondidas, frequentadores do rói-couro, que era como a minha avó chamava o cabaré da cidade.

Lá estavam também, animando o velório, os primos Edmilson Fonseca, o nosso querido Muriçoca, e Bernadete Gomes, a Detinha de Zú. Estava lá a prima Zezita, muito querida, prefeita de Santana dos Garrotes e que há muitos anos eu não via. Seus irmãos Dr. Jordan, Josmar e Judite. Depois do enterro, a prima Jovânea serviu a melhor galinha-de-capoeira que eu já comí!
Respeitando a tristeza pela perda de parente tão querida, não deixou de ter sido para mim uma oportunidade muito boa por saber que os primos estavam todos bem.

* * *

Tem velório que é memorável devido à personalidade do falecido. Foi o caso do excelente pediatra Dr. Paulo Soares. Tendo sido a grande figura que foi, a personalidade sempre engraçada e muito querida, no seu velório cada roda de presentes era uma gargalhada. Ninguém resistia às histórias do nosso Paulinho Soares, boa parte delas impublicável.

Só para exemplificar, numa delas alguém se lembrou da mãe aflita: “Dr. Paulo, passe um remédio para o meu filho crescer!” “Ora, minha senhora, se tivesse algum eu passaria pra mim!”, lembrando-se do seu tipo físico.

Tem outros velórios inesquecíveis de personagens memoráveis. Lembro-me com saudades dos velórios de Neno Rabello e do primo Fred Pitanga. Valeram bem a máxima acima: “Pense num velório!”

Ao longo dos enterros da minha vida tive a oportunidade de conhecer pessoas que animam velórios. O fazem sem nenhuma intenção de desrespeitar os mortos: é da sua natureza ser assim. Verdadeiros profissionais do anti-pranto, carpideiras às avessas, tornam mais suave a despedida de quem gostávamos tanto.

Alguns deles, infelizmente, já se foram. São os casos do primo Edmilson Muriçoca (era um mestre no metier!); da prima Detinha de Zú; do engraçadíssimo Cleanto Pinto; e do hilariante Fred Pitanga. Sinto muito a falta deles, mesmo longe dos velórios.

Mas tem um grande animador de velórios que continua aqui em baixo conosco: meu amigo de infância Flávio Tavares. As suas histórias nos enterros são inexcedíveis! Só o acervo de histórias de seus familiares já garantem um bom velório. Mas resisto a contratá-lo para animar o meu.

Vôte!

(José Mário Espínola, médico e escritor - jmespinola50@gmail.com)

Embora pertencesse à Geração 59, transitava com desenvoltura em todas as gerações, quer entre os que integravam as “Edições Caravelas...


Embora pertencesse à Geração 59, transitava com desenvoltura em todas as gerações, quer entre os que integravam as “Edições Caravelas”, quer entre os que compunham o “Grupo Sanhauá”. E tanto foi assim que, no “hall” do Teatro Santa Rosa, apresentou o meu livro de estreia: “Gestos lúcidos”. Título, aliás, contra o qual se insurgiu sob o argumento de que, depois de cinco ou seis talagadas de aguardente, a língua, entorpecida e trôpega, dificilmente o pronunciaria.

Naquele ano de 1967, Vanildo Brito não era o abstêmio que a enfermidade o obrigou a sê-lo, mas o boêmio de longas jornadas noite adentro, ora no “Bar do Chapéu”, ora no “Bar de Merêncio”, ou ainda em outras bibocas que ele descobria em suas andanças à margem da província.

Filósofo muitas vezes encharcado de questionamentos metafísicos, nem por isso deixou de se contagiar pela alma das ruazinhas boas e simples, distantes e esquecidas, da João Pessoa de três, quatro décadas atrás.

Quanto ao Vanildo poeta, diria que – na esteira dos versos de Carlos Drummond de Andrade – deixou de ser moderno para se tornar eterno. E o eterno, aqui, significa a sua opção por uma poesia de feitio clássico, apolíneo, imune a modismos ou outras coisas do gênero, pois, com efeito, à lírica do autor de “Selecta Carmina”, as vanguardas nada tinham a acrescentar. Vanguardas em termos do concretismo e seus desdobramentos, uma vez que, se abeberando em Jorge de Lima, sobretudo no de “Invenção de Orfeu”, a poesia de Vanildo possui algumas ressonâncias do Surrealismo, principalmente no seu livro de estreia, “A Construção dos mitos”.

Para mim, a melhor poesia de Vanildo Brito é aquela que se cumpre sem a necessidade de corroborar os sistemas filosóficos que ele postulava em salas de aula e através de ensaios veiculados no “Correio das Artes” ou outras publicações do gênero. E isso porque a poesia não precisa provar coisa alguma, do contrário seria um mero epifenômeno da história, das ciências, da filosofia, etc.

* * *

Diferentemente do que escreveu o amigo e poeta Marcos Tavares, Vanildo se candidatou, sim, a uma vaga na Academia Paraibana de Letras. Só que o seu jeito arredio, tímido, o indispunha a cabalar, a pedir o voto dos acadêmicos, como o fez o economista e político Aluísio Afonso Campos, vencedor da disputa. Quero crer, inclusive, que a sua candidatura decorreu muito mais da iniciativa de alguns amigos do que dele próprio, cujo temperamento anárquico, rebelde, sempre o situou num plano oposto ao de sua poesia, quase toda ela tributária da tradição.

* * *

Se, na juventude, foi o mentor e o artífice da Geração 59, mal ingressou na idade madura abdicou do sentimento grupal para se isolar cada vez mais da vida literária. Foi quando se entregou à tarefa de traduzir alguns poetas latinos e de reunir os poemas que integram o livro “Selecta Carmina” (Edições Linha D’Água, João Pessoa, 2007), lançado quando a “indesejada das gentes” já lhe movia o cerco. Tanto que, embora tenha composto “Moritura nave” por ocasião do falecimento de Archidy Picado, a quem, inclusive, dedicou esse poema no suplemento “Correio das Artes”, desta feita omite o oferecimento ao colega de geração para, quem sabe, travestir-se, ele mesmo, no navio que, “(...) De velas recolhidas, (...)/ está cansado e arqueja lento. / (...) não está naufragando. Nem sequer/ aderna. Morre apenas, carcomido/ lentamente, marcas de mar/ no seu corpo aderidas como/ fundos sinais de mortes e de vidas./ (...) Não há lamentos nem salgadas lágrimas/ sobre o seu corpo imenso e mudo.// Vive no sempre o onírico navio.

Não é de hoje ou por ser moderninho que faço serviços domésticos. Filho de uma família grande, somos nove irmãos, fomos educados por min...



Não é de hoje ou por ser moderninho que faço serviços domésticos. Filho de uma família grande, somos nove irmãos, fomos educados por minha mãe e por meu pai na responsabilidade. Minha mãe nos legava as tarefas domésticas e o cuidado com a profilaxia, palavra que, desde eu menino, como diria o poeta, aprendi com ela. Nosso pai nos impunha levar as encomendas de seu açougue aos  fregueses, bem como lavar o açougue no domingo pela manhã, para começar a semana limpo. De quebra, aprendemos a aritmética do troco, já devidamente calejados pelo aprendizado, literalmente doído, da taboada, com a nossa mãe…

Lavar louça, varrer casa, ajeitar o quarto, tirar o lixo, fazer comida, tudo isso se tornou um hábito para mim. Até hoje, faço comida para 20 pessoas, como feijoada ou cozido, e deixo a cozinha limpa como se ninguém tivesse passado por ali.

Digo estas coisas porque neste período de quarentena, as tarefas de casa se multiplicam, principalmente as de cozinha.

Há quem tenha comparado a tarefa de lidar com a cozinha com o suplício de Sísifo. Trata-se de má comparação. Sísifo, quando descia a encosta da montanha, tinha tempo de pensar em um modo de colocar a pedra no topo e, assim, livrar -se do suplício. Se era um trabalho sem fim, o de Sísifo, ao menos lhe dava, em algum momento, tempo para refletir sobre a sua situação.

Comparo o trabalho de cozinha com o suplício das Danaides, cuja continuidade, normalmente, não dá tempo para a reflexão. As 49 irmãs, filhas de Danaos, foram condenadas, pelo assassinato de seus maridos, na noite de núpcias, a encher, no Hades, um tonel sem fundo, carregando água numa peneira. O derramamento de sangue parental, pois os maridos eram seus primos, é que acarretou em suplício tão requintado.

Apesar de ser infindável o serviço de cozinha, além de pouco produtivo, não reclamo. Seja pelo hábito de fazê-lo, seja por fazer passar o tempo do confinamento, seja porque acabei descobrindo uma utilidade: refletir sobre a paciência e remoer algum texto na memória.

A vida nos ensina de diversas maneiras.

* Milton Marques Júnior, Professor de Literatura, escritor, critico e ensaísta paraibano

Há doze dias estou confinada no meu apartamento. Controlando o desejo de trabalhar, de estar com os familiares, de respirar ares da rua. O...



Há doze dias estou confinada no meu apartamento. Controlando o desejo de trabalhar, de estar com os familiares, de respirar ares da rua. O apartamento, que é grande, ficou pequeno. Do quarto para a sala, da sala para a cozinha, escritório, quarto, de novo. Dizem que a quarentena será de vários meses. Resisto, procurando o que fazer: limpeza da casa, leituras, reescrevo textos sobre as últimas notícias da pandemia, para o site. Mas há um vazio, como se nada fosse possível preencher. É a falta de liberdade.

Lembrei da mocinha de 13 anos que sonhava em ser escritora ou jornalista, e que ficou confinada, num sótão, escondida com a família, tentando fugir dos nazistas. A história de Anne Frank sempre me emocionou, desde que li seu diário, ainda adolescente. Depois, há poucos anos, estive na casa, em Amsterdã, onde foi seu esconderijo. É hoje um museu que recebe visitantes do mundo inteiro. É impactante passar pelos pequenos cômodos ainda com a mobília que ela usou, ver as fotos que ela colou na parede do quarto.

Eles foram para o esconderijo em julho de 1942 e Anne tinha 13 anos. Para não serem descobertos, não podiam fazer barulho, sussurravam para falar uns com os outros, comiam o que amigos deixavam, e só tomavam banho aos sábados, de tina. Imagino que todas essas provações não eram nada comparado ao medo que sentiam, o pavor de serem descobertos pelas tropas do governo alemão. “Fico aflita com a ideia de não poder sair daqui, e tenho medo que nos descubram e nos fuzilem”, escreveu Anne para a amiga imaginária Kitty, no seu diário. Depois ele se deu conta que era ainda pior: “A emissora inglesa fala de câmara de gás. De qualquer forma talvez seja a câmara de gás a maneira mais rápida de se morrer”. Os judeus estavam sendo levados para os campos de concentração.

No esconderijo não havia janelas. Para ver fora, Anne ia para o sótão, olhar por uma pequena abertura com vidros. Ela deixou escrito no seu diário: “ ...serei capaz de escrever algo grande, serei jornalista e escritora? Espero que sim. Eu espero muito que sim!". "Depois da guerra, eu gostaria de publicar um livro com o título 'O anexo secreto'".

Anne Frank e mais sete pessoas, de sua família e de outra, viveram pouco mais dois anos no anexo secreto. O esconderijo foi descoberto no dia 4 de agosto de 1944. Todos foram para Auschwitz e depois para outros campos de concentração. Num dia de fevereiro ou março de 1945, Anne Frank morre, de fome e tifo, no campo Bergen Belsen. Dos que estavam no anexo, apenas o pai, Otto, sobreviveu, e publicou o diário pela primeira vez, em 1947. Você conseguiu, Anne.


Rosa Aguiar é mestre em comunicação e jornalista

(Octávio Caumo Serrano) Em uma cidade do interior, havia um padre que ao receber as pessoas em confissão sempre suavizava suas culpas e dizi...


(Octávio Caumo Serrano)

Em uma cidade do interior, havia um padre que ao receber as pessoas em confissão sempre suavizava suas culpas e dizia: - Podia ser pior! Por maior que fosse o pecado ele sempre consolava o penitente dizendo que a falta não era tão grave; podia ser pior.

Um grupo de estudantes se reuniu para, numa artimanha, dar um susto no sacerdote. Um deles foi para a confissão e disse: - Padre, estou desesperado com o que eu fiz; matei meu pai e me amancebei com minha mãe!... – O padre, surpreso, lhe diz: - Meu Deus, filho, que horror. Como pode você fazer algo tão terrível? Mas não se preocupe; Deus há de perdoá-lo; podia ser pior.

- Padre! Matei meu pai e me amiguei com minha mãe! Como podia ser pior? – Você podia ter matado sua mãe e se amigado com seu pai...

Assim é a vida. Diz a sabedoria popular que mais escuro do que meia-noite não fica. Depois da longa noite raia sempre nova alvorada e o sol brilhará outra vez. A lição se ajusta perfeitamente ao momento que vivemos, quando relembramos a conhecida frase que Maria Santíssima pediu para que Chico Xavier escrevesse em lugar bem visível, onde pudesse enxergar para ler a toda hora: “Isto também vai passar.”

Quem sabe o vírus foi o freio que interrompeu as ações dos belicosos megalomaníacos que pensavam explodir o planeta com seus arsenais superdimensionados que podem destruir a Terra várias vezes. Quem sabe. Nada se pode afirmar como verdade.

Mas conhecendo as artimanhas de Deus, sempre em favor dos homens, é bastante possível que ele tenha jogado essa “pedra no caminho” para modificar as ideias dos revolucionários, pretensos donos do nosso planeta. E vejam como todos recuaram, assustados!

Diz o povo que após a tempestade vem a bonança. Esperemos que em curto prazo vençamos essa batalha contra o inimigo hostil, silencioso e contra o qual nossas armas são, por enquanto, inócuas. Mas esse malvado vírus há de morrer por si mesmo, de tédio, se o deixarmos abandonado em solidão... E nós reiniciaremos mais confiantes!

(Octávio Caumo, Jornalista e Poeta - ocaumo@gmail.com)

O vazio dos espaços urbanos parece um contrassenso num país em que se ama passear e estar com os amigos. Olho para a minha rua e não vejo ni...



O vazio dos espaços urbanos parece um contrassenso num país em que se ama passear e estar com os amigos. Olho para a minha rua e não vejo ninguém. Ou melhor, um retardatário volta apressado para casa. Temerá um assalto ou a contaminação? (A dúvida procede, pois os marginais não recuam nem em tempos como estes; são vírus sociais, e para eles os governos até agora não foram capazes de encontrar vacina).

As luzes dos apartamentos sinalizam a prisão das pessoas lá dentro. O mais estranho é a ausência de buzinadas, que destoa da trilha sonora comum nas cidades. Todo esse silêncio nos leva a refletir, humildes, sobre a precariedade da nossa aventura no planeta. A pandemia não enterra apenas os mortos; enterra também os vivos. Só que estes últimos, cessado o flagelo, terão a possibilidade de renascer.



O coronavírus vem estimulando a veia humorística do brasileiro. Há quem veja nisso uma demonstração de insensibilidade ao sofrimento das vítimas e de seus parentes. Não é por aí. Ninguém faz humor na atual situação para subestimar a gravidade da doença ou menosprezar o sacrifício dos infectados. Faz motivado por comportamentos exóticos, às vezes ridículos, a que os indivíduos são levados por medo da infecção (há que ter espírito para suportar o longo confinamento em espaços apertados, como se vê agora). O humor é um espelho que retrata excessos, carências, deformações - comuns em situações de crise. O riso é uma resposta racional ao sofrimento. Constitui uma forma superior de resignação, e rejeitá-lo é deixar a porta aberta ao desespero.



Quem determina que não se deve sair de casa não são as autoridades médicas ou governamentais; é uma senhora ponderada, discreta e aliada da razão chamada Prudência. O preço que se paga por desprezá-la pode ser muito alto. Com não rara frequência, é a morte. Se evidências mostram que deixar a casa e participar de aglomerações levou em outros países a que se multiplicasse o número de mortos, fazer isso ou induzir outros a fazê-lo é de uma imprudência homicida. Os arautos da sensatez devem chamar os responsáveis por essa leviandade à razão. Todos estamos esperançosos de que esse “tsunâmi” passe logo, mas, como lembra Baltasar Gracián, a esperança é a grande falsificadora da verdade e deve ser corrigida com inteligência e... prudência!

Essa quarentena vai deixar marcas profundas. Não tenho dúvidas. Até minhas mãos não são mais as mesmas. Minha casa já não é vista com os mes...



Essa quarentena vai deixar marcas profundas. Não tenho dúvidas. Até minhas mãos não são mais as mesmas. Minha casa já não é vista com os mesmos olhos. Percebo, por exemplo, que alguns livros lidos e lindos pediam uma nova leitura. Pacientes, esperaram anos a fio. As amizade distantes nunca estiveram tão perto. Esse hiato na vida de um escritor, entretanto, tem de tudo.

Descubro que as utopias estão transmutadas. Alegorias do cotidiano passeiam pela sala. Estamos com a vida minimalizada. Com medo do medo que sentimos. Mas na verdade eu só queria dizer que não aguento mais lavar panelas.



Fico pensando em Alana, minha companheira, meu maior amor do mundo. Médica e tanta coisa na vida. Sensibilidade à flor da pele. Tem duas filhas ainda crianças, país idosos, pai doente. Vai pra luta com garra, sabendo dos riscos, coração em chamas.

Estamos separados por uma pandemia, mas, mais perto que nunca um do outro. Assim estão vivendo milhares de profissionais da saúde neste momento. Se podemos ajudar? Claro que sim. Vamos ficar em casa. Vamos pensar que tudo isso vai passar. Vamos transmitir o vírus da alegria e do amor. A única certeza que tenho é do abraço gigante que tenho aqui guardado.



Trabalhei na área social da prefeitura, um tempo, e tive lições doídas e inesquecíveis. Certo dia, numa visita ao Timbó, uma comunidade muito pobre, perto de onde moro hoje, uma senhora me contava sobre aS suas dificuldades na vida.

Moravam onze pessoas num casebre de dois cômodos, com o esgoto correndo por trás do cômodo que era a cozinha. Em tempos de quarentena, a lembrança de uma frase dela me atingiu como uma facada:

- Meu filho, aqui quanto todos deitam para dormir, ninguém pode andar em casa.

(excertos da Web)

Aconteça o que lhe acontecer, disse Auden, a vida ... prossegue. Se você se espernear, alguém vai resmungar “Ao diabo que o carregue”. E, co...


Aconteça o que lhe acontecer,
disse Auden,
a vida ... prossegue.
Se você se espernear,
alguém vai resmungar “Ao diabo que o
carregue”.
E,
como exemplo disso,
... pícaro,
deu o quadro de Brueghel sobre a indiferença ... geral ... ante a queda de um distante,
por isso minúsculo
Ícaro,
que de um lavrador trabalhando na plantação
sequer desvia a atenção.



A mulher aguarda
presa à grade de seus ciclos.
O radar
atento
vasculha.
As telhas
calhas e
bueiros
permanecem na expectativa.
O dia
adia.

(A espera é o espírito
desta esfera).



Tudo – na verdade ( redescubro agora ) - tem seu tempo certo.
Pode-se até caminhar sobre as águas
se congeladas.
Nada
portanto
de Luis XIV com sapatos Luis XV.
Existirá – porém - coisa mais deslocada do que imaginar Demócrito falando em átomo há vinte e cinco séculos
enquanto Anaxágoras discorria sobre a tese de que o homem descende de animais inferiores?
Ah
o retrato de Gala Placídia
feito em vidro por Bounneri Kerami
em Bréscia
Itália
século V
um milênio antes da hora!

Por outro lado
“Nascimento de Uma Nação”
o filme de Griffith
de 1914 ou 15
me parece muitíssimo mais antigo que as naturezas mortas de Eckhout
do século XVII.
A Ponte de Alcântara
construída em Portugal pelo Império Romano
me parece bem anterior ao sempre jovem Tejo
que passa debaixo dela
e é claro que houve um equívoco
quando se produziu science-fiction
no Egito de Tutankâmon!

(os dois últimos poemas são do livro Trigal com Corvos. O primeiro, excertos da Web)


Um náufrago é alguém de quarentena, isolado no mar da vida, tocando numa direção incerta como esse timão governado por um macaco prego, o ma...



Um náufrago é alguém de quarentena, isolado no mar da vida, tocando numa direção incerta como esse timão governado por um macaco prego, o mais irrequieto de todos os símios…

Mas pode ser também um momento de grande criatividade. As grandes obras de Arte européias, tanto na Música quanto na Pintura, foram criadas em quarentenas decretadas pelo frio. Sem falar que, em consórcio on-line com Mauricio Carneiro, o Dr. Cachacinha, estou criando o protótipo embrionário de uma bebida chamada Xaropirinha, um blend de Volúpia com mel de italianas, e que, desdobrado em sumo de limão e gelo, fornecera uma nova caipirinha,.. Como vê, o confinamento pode servir para alguma coisa.

O confinamento nunca é verdadeiramente confinamento a menos que não saibamos o que fazer com ele. É claro que cientistas, artistas, escritores, filósofos, artesãos finos, etc, fazem da solidão a verdadeira estrada da vida. E eles devem ensinar às pessoas, ou tentar passar um pouco de esperança, e que é possível lidar com isso, sem entrar em desespero.

Os antigos eremitas, religiosos autênticos, os monges, tinham se apoderado dessas capacidades. Com o tempo a religiosidade decaiu muito porque aquele fervor de crença já não se fazia necessário em uma igreja vitoriosa e que estava entregue ao poder mundano.

Pablo Picasso disse uma vez: "Ninguém haverá de criar nada sem o favor da solidão. Sabendo disto, tratei de criar uma solidão para mim". O gênio e sua penetrante compreensão dos processos em que está envolvido.

Tenho um amigo pintor que agora mesmo está islado e às voltas com uma tela de dimensões maiores que as comumente usadas por ele. Me disse que não tinha outra coisa a fazer que não fosse pintar, e eu lhe disse que esse era o momento de avançar (ele é um sujeito culto e certamente sabe disso), que os momentos em que eu consegui dilatar minhas concepções, composições e execuções artísticas se deram em meio às piores dificuldades, tanto materiais quanto espirituais, e posso dizer mesmo que me encontrava bastante adoecido e fragilizado.

Mas consegui, naqueles momentos de sofrimento, dar uma resposta criativa à altura do que a cisma existencial exigia para que eu seguisse vivendo, e que tinha de ser em novo patamar. E foi isso que aconteceu. Era uma quarentena mil vezes pior do que essa que vivo agora.

As pessoas que passam dramas profundos e conseguem superar adquirem alguma imunidade, embora não devam se confiar na HYBRIS...

(retraços da Web)

No capítulo 5 do Evangelho de João, versículos 1-16, Jesus cura um paralítico que há 38 anos sofria com a sua doença. Ele se queixava de nin...



No capítulo 5 do Evangelho de João, versículos 1-16, Jesus cura um paralítico que há 38 anos sofria com a sua doença. Ele se queixava de ninguém o levar à piscina (kolumbétra, em grego) de Betesda, no momento propício para a cura, quando a água se agitava. Havia sempre algum que se antecipava a ele e descia nas águas curativas. Jesus pergunta-lhe se ele quer ser curado, o paralítico conta-lhe a sua história e Jesus diz: – “Levanta-te, toma o teu grabato e anda!” E assim se dá.

A frase ainda se repete mais duas vezes. Uma, pelo próprio paralítico; outra, pelos judeus que, por ser sábado, recriminam o homem por carregar o seu grabato, não observando as regras do Shabbat.

A palavra grabato, no grego krábatos (esta palavra origina também o francês grabat), apesar de significar um leito miserável, enxerga, catre, é de fundamental importância no episódio.

Quando Jesus entra em contato com o paralítico, apenas pergunta se ele quer tornar-se sadio (hugiés, em grego), diante da lamentação do paralítico por não alcançar a tempo as águas da piscina de Betesda. Jesus o cura, sem sequer tocá-lo, sem dizer-lhe quem é.

Duas coisas podemos afirmar: o homem é curado pela sua fé; não há qualquer milagre no fato, mas a força da energia do bem que emana do Cristo é que curou o enfermo, do mesmo modo que cura a hemorragia de anos da mulher que toca, com fé, a fímbria de sua túnica e ele sente sair de si um poder (dúnamim, em grego – Lucas, 8,46).

Por outro lado, por que Jesus dir-lhe-ia para se levantar, pegar o grabato e andar? Por que não se omitir a ação de pegar o grabato? Não seria apenas para que o paralítico deixasse ali a sua enxerga, ou porque viesse a precisar dela.

O propósito maior de Jesus pedir-lhe para, uma vez curado, pegar o seu grabato é para que ele, o paralítico pudesse se lembrar de seu sofrimento. O grabato é a lembrança viva dos 38 anos de sofrimento em cima de uma enxerga.

Cada um de nós devia se lembrar de nosso grabato e carregá-lo, não nas costas, mas na mente, como lembrança do que sofremos por nossas próprias ações.

Jesus nos ajuda a curar, mas precisamos querer e ter fé para que isto aconteça. Estamos sendo curados, lentamente, a cada encarnação e podemos apressar a nossa cura, desde que aprendamos a lição, que se encontra nas últimas palavras que Jesus dirige ao paralítico, quando o encontra no templo: – “Ficaste curado, não cometas mais erros, (mekéti hamartáne, em grego) para que não te suceda coisa ainda pior”.

Não sabemos o que aconteceu ao paralítico, mas sabemos que ele disse aos judeus quem o curou e eles perseguiram Jesus. Assim fazemos nós: esquecemos as bênçãos que recebemos, deixamos de lado o nosso grabato, olvidando as dores por que passamos, e ainda demonstramos a nossa ingratidão vituperando quem nos enche de graça.

É preciso não esquecermos a nossa enxerga!

Hoje, a realidade é outra. Na expansão e pluralidade das expressões estéticas; na projeção de artistas que conquistam espaços significativ...



Hoje, a realidade é outra. Na expansão e pluralidade das expressões estéticas; na projeção de artistas que conquistam espaços significativos além de nossas fronteiras e no interesse do público local que prestigia exposições e se realiza em adquirir telas ou objetos de sua admiração.

Essa constatação de aspectos tão positivos sobre as Artes Plásticas na realidade contemporânea, torna ainda mais estranha e censurável inexistência de um Museu onde se instale a riqueza dessa trajetória para o reconhecimento de nossos valores, para a fruição da coletividade, para a educação dos jovens e o despertar das vocações.

Não é o fato de sermos um Estado pobre que nos impõe essa desolação no cenário cultural. Todos identificamos na inversão das prioridades, fato recorrente nas agendas governamentais, o desvio que submete as necessidades vitais da nação às filas de espera do desengano.

Ninguém desconhece o pródigo esbanjamento dos três poderes da República nas suntuosas edificações que se erguem em acintoso paradoxo com as solicitações urgentes e essenciais da população. Os bilionários templos do futebol são apenas o exemplo mais recente, ratificando que a "página infeliz da nossa história" referida por Chico Buarque, na ironia de seu anti-samba-enredo, infelizmente, não tem ponto final. Nossa Pátria-mãe continua "subtraída em tenebrosas transações" e seus filhos "levando pedras como penitentes, erguendo estranhas catedrais".

Convivemos há quase um mês com o grito das ruas contra a corrupção. São milhares de vozes que se erguem proclamando a causa primordial da negação dos direitos fundamentais da coletividade. Não apenas os mensalões, julgados ou não. Mas a intricada rede de improbidade que se estende, desde os paraísos fiscais, até as disparidades salariais, somadas a privilégios de todos os gêneros, que transformam servidores públicos em castas, sem qualquer respeito ao preceito constitucional da igualdade de todos perante a lei. É uma professora que fala, e não poderia ser outro o tom.

Eis a democracia em que vivemos e que nos cabe aperfeiçoar, inscrevendo-se o intelectual sempre mais igualitariamente na frente comum da construção coletiva.

(excertos de discurso)

Os dias se arrastam com uma uma velocidade sem limites. No entanto, sabemos que nada saiu do lugar. As ruas estão plenas: caos e si...



Os dias se arrastam
com uma uma velocidade
sem limites. No entanto,
sabemos que nada saiu
do lugar.

As ruas estão plenas:
caos e silêncio na espera
de uma normalidade tão
mais louca que a memória
das noites sem estrelas,
sem nuvens, sem lua...

Aquelas que pesam. Perdem
altitude. As que escondem
nossos passos. Comem nossas
sombras e prometem não
amanhecer.

Um inimigo invisível corre
pelas calçadas com motivos
para destruir. Devastando
o silêncio que somos quando
nos tiram o ar.

A morte e a vida caminham
lado a lado. Trocam flores
e trocam tapas. Se escondem
no medo de nunca mais voltar.

(suspiro)

Hoje foi um dia sisudo.
Troquei sementes de cedro
e jacarandá. Não porque
sejam eternas, mas por
serem a própria resistência.

O ignóbil passeia nas redes.
A farsa grotesca da miséria
não esconde a tristeza ou
a tatuagem sangrada dos
que não temem a eternidade.

Mas quando amanhecer
ainda estaremos aqui.
Vamos comer o que sobra
da vida que pouco temos.

Outros serão metade, ou
quem sabe até bem menos.
Alguma coisa invisível
nos jogou contra a parede.

Tudo é mar e tudo é sede.

No alto de um prédio
tremula uma sentença.
Estamos seguros como
o suicida antes do salto.

É bárbaro o que não voa,
mas nos joga pelos ares.
Como se fôssemos
a dobra de toda leveza.

A vida é um susto.
E eu abri mais uma
cerveja.