Pergunte-se à grande massa dos colegiais do Brasil qual o sujeito da frase “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o b...

A história na moita

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Pergunte-se à grande massa dos colegiais do Brasil qual o sujeito da frase “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante”.

Falo daqueles às vésperas do vestibular, recém-saídos de cursinhos ou colégios caríssimo. À turma da escola pública desaparelhada e, salvo raríssimas exceções, com professores mal pagos e desmotivados, nem adianta perguntar.

Pois bem, a maioria responderá: “Sujeito oculto. Eles, ou elas ouviram”. Calma, crianças. Vou dar uma boa dica. Antes da resposta, vocês precisam colocar a frase, que está invertida, na voz direta:
“As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico”. Agora, ficou mais fácil, não é?

Perdoemos os poetas. Eles, geralmente, gostam de inverter muito daquilo que compõem. Notadamente, em 1822, quando um Dom Pedro com diarreia correu para a moita à margem do rio que São Paulo já matou há priscas eras.

Sim, há muita gente boa a jurar que o Grito do Ipiranga esteve longe de ser um brado retumbante. E a negar que a cena tenha se passado conforme a tela gigantesca pintada por outro Pedro, este último o Américo, paraibano de quatro costados. Por falar nisso, a incúria paulista já reabriu o Museu em cuja entrada essa tela imensa era por décadas e décadas exibida a olhares encantados? Mas essa é outra história.

Vamos, portanto, ao grito. Recorram ao Google e inscrevam no espaço reservado às buscas: “Dom Pedro grito disenteria”. Façam isso e, numa fração de segundo, vocês terão mais de 21 mil resultados.

Adquiri, desde muito novo, a mania de desconfiar dos gestos heroicos. Perdi a fé nessas coisas quando percebi que um dos heróis da minha infância, o barbeiro Parcela, havia me enganado com a história de que, sozinho, pusera para correr metade do time de Cruz do Espírito Santo num jogo contra o Modena, de Pilar, nossa terra. E, isso, na casa do adversário. O que me contaram depois foi que Parcela correu de um vaqueiro que para cima dele partiu com uma faca na mão. O medo fez com que arrombasse no peito uma cerca de aveloz, plantinha leitosa também chamada dedo-do-cão da qual até bicho foge.

Parcela me enganou, porém, depois dele, ninguém mais, nem Dom Pedro. É por isso que estou disposto a acreditar na história da disenteria e da entrega, por Paulo Bregaro, à beira da moita, da carta em que dona Leopoldina, a Imperatriz, informava sobre aquelas exigências de Portugal. Aquelas que teriam feito o homem clamar: “Laços fora, soldados”.
Pois, sim... Mas acredito que tenha sido por conta dessa entrega que Bregaro virou o patrono dos carteiros.

Dona Leopoldina... Ah, que mulher resoluta. Aposto, mesmo, na versão de que foi ela quem escreveu e assinou o decreto da Independência.

Que paciência tinha com aquele marido farrista e mulherengo. Ou alguém pensa que ela não sabia o que havia puxado Pedro até Santos, de onde voltava com dor de barriga? É claro que sabia. E sabia tanto quanto Domitila, a marquesa.

No meu tempo do Grupo Escolar Dr. José Maria, da farda com calça azul marinho, camisa branca e gravata que eu detestava, um colega de alma pura quase ia às lágrimas durante a leitura do Grito da Independência: “Laços fora, soldados. As cortes de Lisboa querem escravizar o Brasil. Independência, ou morte”. Quase fomos aos tapas quando eu ri disso.

Eu pensava cá, com meus pequenos botões: “Não fora o mesmo Dom João, pai de Pedro, que largara o filho por aqui com o conselho para abiscoitar o trono antes que algum aventureiro o fizesse?”. Já não estava tudo em casa?

Depois, fiquei sabendo que o Grito do Ipiranga custou mais aos brasileiros do que uma barriga ruim e uma garganta rouca. Custou 2 milhões de libras esterlinas pagas à Inglaterra para honrar o empréstimo tomado por Dom Pedro.

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