Às vésperas do Natal de 1957, o menino que então eu era erguia os olhos na esperança de localizar aquela estrelinha miúda e veloz no céu e...

O Sputnik, há 64 Natais

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Às vésperas do Natal de 1957, o menino que então eu era erguia os olhos na esperança de localizar aquela estrelinha miúda e veloz no céu escuro. Os comentários dos mais velhos em tom de espanto, o Repórter Esso e outros noticiários despertavam a minha e a curiosidade de meio mundo.

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SovietiC
Mal dava para acreditar que o milagre tecnológico cometido pela engenharia humana também contemplasse a pequenina Pilar, no Agreste da Paraíba, sobre a qual aquele pontinho luminoso passava, religiosamente, por volta das 21 horas. E assim o fazia em zigue-zague quase por cima da padaria do meu pai. Era a única passagem para a qual, na minha idade, eu me dava conta.

Jacira, a ajudante da minha mãe nos tratos da cozinha, jurava como aquilo era coisa do diabo, pois cristão nenhum, nem aqui nem na China, teria capacidade para disputar com Deus o espaço concedido às estrelas. “Nada de China. É satélite artificial construído pelo homem. É coisa feita na Rússia e deixe de maluquice”, corrigia Dona Vininha.

Tinha um nome curioso a estrelinha. Em homenagem a ela, eu escolhi o filhote mais belo da cadela Coquita e nele botei, com todas essas letras, o nome “Esputinique”. Pois não é que assim ficou?

O professor Zé Augusto temia que em algum momento coisas como aquela, aos montões, pudessem conter armas de raio. Isso, porque os americanos, dispostos a brigar com os russos por pedaços do mundo, logo teriam seus próprios satélites. E pensar que, dez anos antes, não muito mais do que isso, os dois países então inimizados haviam juntado suas forças,
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V.Viktorov ▪ 1961
Brasil no meio, contra Hitler, Mussolini e Hiroíto.

Foram os russos que inauguraram, com o Sputnik, a corrida espacial, em 4 de outubro de 1957. No novembro seguinte, dia 3, a cachorrinha Laika, também russa, subia ao espaço. Em 12 de abril de 1961, foi a vez de Iuri Gagarin, o primeiro astronauta. “A Terra é azul”, teria ele dito para espanto dos humanos.

O moço morreu em 27 de março de 1968 em razão da queda de um avião MIG-17 por ele pilotado. Nem chegou a ver o desembarque na Lua, em 20 de julho do ano seguinte, dos americanos Neil Armstrong e Buzz Aldrin, quando os Estados Unidos já haviam assumido a dianteira da corrida espacial.

No Brasil daquele tempo, em plena Guerra Fria, havia quem torcesse pelo êxito de americanos ou russos, como se estivesse num Pastoril natalino a torcer pelo cordão azul, ou encarnado. E lá se foram 64 Natais contados a partir do lançamento do primeiro e mais icônico satélite da série Sputnik.

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  1. Em minha primeira peça de teatro, "O Vermelho e o Branco", 1968, Pombal, fiz o papel de um líder estudantil - barba de Fidel e Che, apelido Gagarin. Coisas da vida: o primeiro homem a entrar em órbita, morreu num desastre de avião. Em 1705, Johann Sebastian Bach viajara 400 km, de Arnstadt a Lübeck , a pé, pra conhecer seu ídolo Buxtehude, o que mostra que não sou tão doido, pois em 68 viajei mais - 452 km - de Pombal, mas num fusca, até o Recife, pra ver o filme 2001. No ano seguinte, dei uma palestra no colégio da cidade, explicando como estava acontecendo a descida de Armstrong na Lua. Bem: 2001 chegou e passou e nada daquilo se realizou.

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  2. E, quantas coisas mais, se realizaram ou se transformaram em vãs promessas!

    O mundo encolheu.
    Transformou-se na "aldeia global" que Marshall McLuhan preconizava, mas não manifestou, em sua plenitude, o espírito de irmandade que poderíamos depreender latente nessa promessa de facilitação e aproximação comunicativa.
    E, como você bem diz, ..."nada daquilo se realizou".

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