Era tarde de uma quarta-feira. No calendário, quase todos os dias estavam riscados, o próximo a ser vítima da caneta preta seria o 21 de março. Uma programação de rotina era necessária ser executada em um disjuntor para que a subestação Xingú continuasse escoando energia da usina de Belo Monte – no Pará – para uma grande porção do Brasil. Algo deu errado! De repente, um efeito em cadeia deixou cerca de 70 milhões de pessoas sem luz em 14 estados das regiões Norte e Nordeste.
BNAmericas
A tarde perdia corpo, nuvens esparsas escondiam cada vez mais os últimos raios de sol. Anoitecia... Pela janela, nada de luzes em postes, prédios apagados, a escuridão engolia o horizonte e na mercearia da esquina, o pequeno estoque de velas se acabara há meia hora. "Mas seu Floriano, não tem nenhuma velinha pra mim? Estou sozinha com minha mãe, vamos ficar no escuro!" Compadecido com o lamento, o dono da bodega retira uma das oito velas da única caixa que ele reservou para seu uso doméstico: "Tome, precisa pagar não, pode levar".
Ricardo Tamayo
Filipe Resmini
No outro dia na escola, distante duas ruas depois, Gabriel e Denis fizeram questão de contar como foi a noite de apagão em suas casas. Empolgados, contavam detalhes: "Foi o máximo", diziam à professora. Karine, que estuda na mesma sala, disse que o seu pai acendeu um lampeão, confessou que nunca tinha visto aquilo, uma luz n'um botijãozinho de gás; ao redor dele, depois de jantar, sua avó contou um monte de histórias de quando seus pais tinham se conhecido e muito mais.
A aula daquele dia se resumiu em "contação de histórias". Todos demonstraram felicidade por ter faltado energia, um dia diferente, “em que ficamos muito mais próximos uns dos outros, sem celular e sem internet”, disse outro garoto, o Roberto. "Foi tão bom, conversei tanto com mainha!", disse Karine. E a Professora a pensar com seus botões: “essa vivência que eles sentiram em uma noite era justamente o que tive na infância, nada de jogos eletrônicos, celulares e internet, interagíamos bastante uns com os outros. Tempos bons aqueles...”.