Em meio à caminhada pela estrada canavieira recheada de chuva intermitente, risos aventureiros e lama contínua, percebo que é um novemb...

Em novembro

natureza cachoeira pernambuco escada
Em meio à caminhada pela estrada canavieira recheada de chuva intermitente, risos aventureiros e lama contínua, percebo que é um novembro, em um mês estranho de um ano confuso. Lá fora, no dito mundo, sabe-se que ainda haverá Copa do Mundo mesmo com o São João já ido; e em frente aos quartéis há torcedores canarinhos que pedem golpe, querem mudar a regra do jogo... em vão esperneiam.

Novembro estranho. É azul, mas divide espaço com o vermelho e branco natalino cheio de estrelinhas que invadem as casas, as vitrines das lojas. Mas também está misturado de verde e amarelo sem astros iluminados, mas de memória aparentemente apagada.
natureza cachoeira pernambuco escada
C. Roberto
Será que vão banir as cores do Papai Noel? Ele seria um comuna? Ou será preciso apostar no azul e branco na hora do gol para escapar da ideologia do gênero mitológico sem lógica?

Em pleno novembro pelos trópicos os pés firmam-se na esponjosa estrada, livre de placas, exceto pequenas marcas de leitura canavieira. Os passos acostumam-se com o ambiente. Calçados enfiam-se no chão molhado que parece unir as solas dos pés a terra. As nuvens abaixam-se para despejar-se em aguaceiro. O cinza domina os horizontes e os céus aproximam-se do solo, da plantação, de todos os seres. O cenário, longe de ser triste, ao contrário, é divertido.

Melhor o visual do caminho. A cana-de-açúcar domina a visão, entrecortada por estradas lamacentas trilhadas por tratores, treminhões e outros veículos robustos. Seres humanos seguem atrás do doce da água que cai do alto. É Escada, Pernambuco, mas o destino tem o mesmo sabor de outras rotas pelo Nordeste imenso. Trilhas de Bananeiras, Borborema e Serraria e cercanias para o Roncador. Tantos outros percursos até onde o mundo jorra alegrias de cachoeiras.

Clóvis Roberto
Lá fora, no restante do mundo, carros circulam pelas estradas, das chaminés soltam fumaças, das políticas ainda as feras insaciáveis rejeitam decisões democráticas e rugem baboseiras. Novembro estranho entre aglomerados em delírio coletivo, festejos de estrelas multicoloridas e cenas de calmaria que remontam a imensidão de vegetação trocada das árvores pelo infinito canavial. Onde foi mata, hoje só cana.

Novembro de aventura. Ao som dos sorrisos, dos olhos já tão conhecidos, do reconhecer-se amigos. A lama agarra cada palavra, solidifica um novo passo, ajunta os caminhantes. Descidas e subidas são semelhantes às décadas jornadas que se bifurcam pela vida, escrevem novos capítulos, avançam ombro a ombro.

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Acervo C. Roberto
Na Pé de Serra, água canta forte e barrenta após receber reforço dos céus tempestuosos. Furiosa força poética em líquida passagem a construir leis naturais. Águas em cachos despencam do alto para benzer o caminho por onde passam. Perto dali, a estrada molhada vira parque de diversão onde se patina, se desequilibra para se aprumar e seguir em frente. Feito vida, plena alegria.

O tesouro é um mergulho em água doce como menino solto, limpar a alma, benzer com chuva. Se é novembro, logo dezembrais. Um ano novo com janeiro, cajus em chuvas valencianas, junho com gosto de milho de santos, feliz calendários. O destino é sempre um retorno, caminhar em cada dia por todas as trilhas e reencontrar-se em eterna infância.

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