Ficamos mais próximos de nós mesmos nesses últimos anos. O isolamento e o descuido em relação aos outros foram inevitáveis. Porém, crescemos sobremaneira, evitando um desespero sem volta. Os melhores estão aqui. Os mais fortes e mais preparados se safaram da peste e agora revivem seu passado na busca de respostas diferentes, porque todas as questões mudaram: algumas, de tamanho; outras, de conteúdo.
A forma de revisar a vida, travada pelos artistas de cinema, tem um detalhe particular muito diferente dos reles mortais, porque é mostrada em grandes telas. Como o fez Steven Spielberg em seu filme "Os Fabelmans", já premiado e atraente para muitos.
O cineasta conta sua história de vida, repensada justamente nos tempos de clausura, devido ao fato de o vírus estar à solta na rua e nos pulmões de muitos. Dramas familiares foram repensados. Spielberg misturou horror e comédia com romance e "suspense"... como sempre foram nossas vidas.
O tempo e o medo de sobra proporcionaram o pensar saudoso nos fatos marcados num passado esquecido pelo temor dos dias doloridos. Uma doença empurrou nossas ideias para uma reflexão e revisão de um tempo guardado nas gavetas como recordação, para saudar um dia em especial com tenra alegria.
A guinada obrigatória nos deixou atônitos e sem fala. Sim, porque até nossa voz foi contaminada, por vezes com vírus, outras tantas com verdades ou mentiras. Ficamos mais próximos do limite de nossa frágil existência biológica. A experiência nos deixou expostos à finitude dos corpos, calejados da busca pelo respirar saudável.
Outro cineasta, o belga Lukas Dhont, aproveitou a paralisia da indústria cinematográfica para voltar à sua pequena cidade natal e, ao pisar no chão da escola onde estudou, reconectou-se com uma parte de si. Daí surgiu outro filme, "Close", um drama sofrido sobre homofobia, masculinidade tóxica, medos e insegurança que ele vivenciou na infância.
Parece que a pandemia inaugurou profundamente um novo pensar na forma de nos relacionarmos com o passado e a memória. Essa (auto) análise forçada fez bem a quem soube aproveitar e entender que o resto de seus dias lhe foram presenteados como um bilhete premiado dado por acaso, ou sorte, aos que tinham mais saúde e mais anticorpos para lutar em conjunto.
Vale lembrar de Nietzsche nesse momento, ao professar que "quando você olha para o abismo, o abismo olha pra você". Surge, então, a oportunidade de refletir sobre a finitude. É preciso encará-la para fazer uma escolha. Uma escolha que exige mais preparo. Ou você prefere abraçar a desistência e ficar no passado? É possível que não sinta mais dor... e também que não sinta mais nada.