Sou repórter! Escrevo artigos de “enxerido” como se diz na linguagem corriqueira do senso comum. Acredito que a crise do Jornalismo atualme...

O soldado 'Cobra Verde'

josinaldo malaquias cobra verde não mata ambiente de leitura carlos romero

Sou repórter! Escrevo artigos de “enxerido” como se diz na linguagem corriqueira do senso comum. Acredito que a crise do Jornalismo atualmente deve-se, muito, à falta de repórteres, daqueles que sabem captar o estrépito da vida na fala da rua, desvelando a ontologia do ser social, conforme os versos de Manoel Bandeira sobre o Recife antigo.

O repórter verdadeiro é antropólogo nato, pois aprende a conhecer o homem e conviver intuitivamente com a diversidade. É simples e não tem o pedantismo de uma suposta e inexistente intelectualidade cosmética que, muitas vezes, conforme já constatei, não sabe quando se escreve viagem com “g” ou com “j”.

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O maior atributo do repórter, na minha opinião, é a curiosidade inata convergida na capacidade de se encantar com o mundo. Particularmente sou apaixonado pela rua, pelos botecos, pelas feiras livres, pelas barbearias, pelos terreiros de macumba e por todos os lugares onde, conforme o vulgo, “se fala da vida alheia”. Acredito que a reportagem de caráter humano nasce dessa supositícia “bisbilhotice”.

Em Alagoa Grande, minha cidade natal, funcionava o Hospital do SESP, referência em atendimento médico à época. Minha saudosa irmã, Wilma, antes de concluir o curso de Medicina, trabalhou como Auxiliar de Enfermagem no citado nosocômio (ou jargão jornalístico miserável feito o “veio a óbito”).

Quando dava o plantão de 15 às 23 horas eu era obrigado a buscá-la, não que oferecesse segurança – magro que parecia estar de perfil e com 11 anos de idade -, mas para que a mesma não ficasse “falada” vindo só do trabalho.

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Adorava quando seu Antonio Barbosa, um velho soldado reformado, estava fazendo a “segurança”, cuja arma era um cacete. Ninguém conhecia Barbosa pelo nome, mas pelo apelido Antoim Cobra Verde, que também gostava da minha presença para contar as suas inúmeras e gostosas histórias. Nunca me cansei daqueles causos repetidos, mas narrados sempre de forma diferente.

Perguntei-lhe porque o chamavam Cobra Verde. Pensei que o mesmo iria se irritar. Foi o contrário. Respirou fundo e falou:

- Olhe, meu filho, eu era soldado na “capitá”. Certa vez fui prender um “grandalhão parrudo” e brabo. Meti-lhe o cacetete e o mesmo quebrou. O “danado” partiu pra cima de mim e, quando estava me dando uma grande surra, meti-lhe o dente até que o dominei. O “bicho” chegou todo mordido na delegacia. O delegado, quando viu, só faltou morrer de rir e disse que a cobra que picava e não matava era cobra verde. Daí o meu apelido!

Antes de emigrar para João Pessoa, há cinquenta anos, fui me despedir de Cobra Verde. Ele ficou triste; eu, também! Quando ia saindo, de cabeça baixa, ele me chamou e me deu um conselho:

- Nunca queira ser soldado de polícia. Se o soldado prende... é ruim. Se solta... é ruim. Se bate... é ruim. Se apanha... o povo diz “ô soldado mole da gota serena”.


Josinaldo Malaquias é doutor em sociologia e jornalista

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  1. Meus nobres Milton e Espínola, acredito que a realidade, muitas vezes, supera, ate mesmo, a Comédia Humana, de Balzac.

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