Neste período do ano, lembro do tempo que ficou no sítio, quando as árvores mudavam as folhas; os cajus e as mangas maduras se esparramavam pelo chão; os araçás amadureciam nas capoeiras. Em casa, mamãe e as meninas enfeitavam um galho de laranjeira com algodão retirado de capulhos ainda no roçado; penduravam as lembranças — caixas de fósforos cobertas com papel dourado para simbolizar o Natal.
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Chegado o dia do Natal, quase sempre de roupa e sapato novos, na boca da noite, caminhávamos em pequenos grupos procedentes dos sítios, parecendo formigas em filas, rumo à cidade.
Aos primeiros momentos da noite, pelos caminhos que levam a Serraria, frangotes nascendo bigode, meninas se pondo adolescentes e adolescentes se formando moças enfeitavam a paisagem rural da estrada. Como os sapatos acochavam nos pés, usavam sandálias até a entrada da cidade. Voltávamos com calombos nos pés, tangendo os cachorros que acuavam.
Havia quem fizesse algazarra, sem enxerimento. Todos íamos não apenas para o divertimento na noite de Natal e Ano-Novo, mas também para a contemplação da
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Gestos de candura e pureza dessa gente vinham dessas cenas, que hoje recordo com profundo e prolongado sentimento de gratidão, como uma constelação de luzes que alimenta meus dias.
Serraria ficava em festa durante oito dias. Na noite de Natal, começando ao final do dia, os parques de diversões paravam na hora da Missa do Galo. Depois retornavam aos folguedos, com divertimentos até o dia amanhecer.
Ao quebrar da barra, retornávamos empoeirados e cansados; alguns passavam aos afazeres do sítio, como cuidar dos animais, o que não se poderia deixar para depois.
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No sítio onde morávamos, nossas avós cantavam para nós essa modinha pungente, agora recordada com emoção:
Nossa Senhora à beira do rio,
Lavava os paninhos do seu bento filho.
Nossa Senhora lavava,
São José estendia.
O menino chorava com o frio que fazia.
A Virgem, sorrindo, assim lhe dizia:
Não chore, meu amor!
Isso são os orvalhos do Pai do Senhor.
O filho do rico em berço dourado,
E Tu, meu menino, em palha deitado!
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O tempo ficou no sítio onde nasci. Permanece comigo a casa que nossas irmãs enfeitavam com árvore e caixas de fósforos cobertas por papel celofane branco e azul, e pedaços de fitas de cores variadas. São recordações que chegam de vez em quando, principalmente no final do ano. Boas recordações, porque vivíamos sem o medo que agora nos atormenta. Sair para caminhar pelas ruas e pelas veredas dos sítios ficou tenebroso.
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O Menino Jesus que venerávamos naquela época renasce a cada Natal, apesar de, no coração de muitos, viver a apreensão da festa que pode não começar devido ao zunir das balas, vindas não se sabe de onde. A esperança é que o ano que começa carregue consigo a paz.
Pedaços de recordações do tempo da infância chegam a todo momento, quando se realiza um novo olhar para a realidade. Os olhares são moldados pelas mídias sociais, sem a pureza nem a simplicidade de outrora.




























