Os contos têm muito a ensinar sobre costumes e valores da sociedade moderna. É o caso de uma fábula escrita pelo dinamarquês Hans Christian...
O rei está nu
Os contos têm muito a ensinar sobre costumes e valores da sociedade moderna. É o caso de uma fábula escrita pelo dinamarquês Hans Christian Andersen. Ele narra que existia um rei muito vaidoso que contratou uns alfaiates para prepararem uma roupa que exaltasse toda sua vontade de exibição diante dos súditos. Espertos, os alfaiates disseram para ele que costurariam uma roupa mágica, feita de ar.
Então o monarca embusteiro foi desfilar com os novos trajes em praça pública. Seus súditos, anestesiados pela subserviência, aplaudiam sua passagem e elogiavam a roupa, porque estavam cegos pela idolatria. Até que uma criança enxergou o óbvio: o rei estava nu. E gritou revelando o que estava percebendo. Na verdade, a exclamação do menino representava o desejo de todos. E encorajou a adesão dos demais a admitirem a verdade, até então ignorada. Realmente o rei estava nu.
Na vida real esse conto se repete. Muitos “reis” passeiam com trajes que as pessoas imaginam decentes, em razão de estarem como que hipnotizadas. De repente alguém prova que o “rei está nu” e acorda a consciência coletiva. E todos percebem a sua nudez que muitos sequer ousavam enxergar antes.
A esperteza desmascarada, o imaginário da honestidade descontruído, a aura de incorruptível desaparecendo, a incompetência sendo explicitada, a falsa seriedade desmoronada. O “rei”, ao se ver nu, recolhe-se aos seus aposentos para tentar se esconder. Porém, a opinião pública já descobriu que a majestade é uma farsa. O reinado se desfez. Os conceitos se desmoralizaram. Afinal, “o rei ficou nu”.
O conto trata muito bem da vaidade humana. Notícias manipuladas concorrem para a construção de enganosas aparências. O séquito real se divertindo com os aplausos dos empobrecidos bobos da corte. O grito do garoto, no entanto, fez despertar a população para a sombria realidade. A multidão, até então apática, entende que é chegada a hora de reagir. Não pode mais continuar sendo vítima do ludibrio. O desfile da hipocrisia tem que acabar. As bizarrices tornam-se intoleráveis. Os cegos por conveniência diminuem em quantidade. O “rei nu” não encoraja mais o entusiasmo dos seus antigos defensores. O espetáculo constrangedor de sua nudez inibe os que antes o seguiam apaixonadamente. Quando o “rei fica nu”, seu reinado está prestes a ruir, não tem como se sustentar.
Rui Leitão é jornalista e escritor E-mail
Meados dos anos 60, no Hospital São Vicente de Paula, em João Pessoa, no final da manhã a Irmã Rosele entra pela enésima vez no apartam...
O íleo paralítico
Meados dos anos 60, no Hospital São Vicente de Paula, em João Pessoa, no final da manhã a Irmã Rosele entra pela enésima vez no apartamento do Comendador. Ela dá apoio logístico para uma verdadeira operação de guerra: a cirurgia do Comendador.
Há três dias se desenrola um drama naquele quarto: o velho Comendador, nos seus oitenta anos, por conta de uma prisão de ventre fora internado pelo Dr. Velho Mestre (então na flor da idade): uma semana sem evacuar!
Lá na Usina, os palpites eram os mais variados possíveis: uns diziam que era ventusidade; outros achavam que era um nó na tripa... Todos, porém, concordavam numa coisa: o Comendador não voltaria mais para a casa grande.
O quadro piorou muito, o velhinho ictérico no leito mais parecia uma cenoura, a barriga parecia um zabumbo, crescida e distendida. Já não saía mais nada, nem um pum! Vicente Ferrer, da funerária, muito amigo da família, já aparecera por lá.
O Dr. Velho Mestre estava bastante apreensivo: tentou tudo, com os parcos recursos medicinais disponíveis, àquela época. Litros e mais litros de soro; já era o décimo enema que o paciente tomava.
O Dr. Achiles Leal, jovem e brilhante cirurgião, foi chamado, e depois de ouvir a história clínica e examinar o paciente; de ver os exames realizados por Dr. Maurílio; e de ver o raio-x simples de abdômen feito no leito por Dr. Esmerino, concluiu tratar-se de um caso grave de obstrução intestinal, e que só se salvaria se fosse operado. Aguardava apenas o parecer do cardiologista, para levar para a sala.
Acontece que no final da manhã o Dr. Vanildo, após auscultar o coração arrítmico, auscultar os subcrépitos das bases dos pulmões, palpar os pulsos filiformes, tentar palpar o fígado, examinar as escleróticas, visualizar a cianose que já começava a se fazer notar no leito ungueal, observar a cardiomegalia no raio-x de tórax, e analisar o eletrocardiograma (um dos primeiros realizados na Paraíba!), enfim chegou a um diagnóstico, e a um prognóstico sombrio:
“Paciente de alto risco. Se for operado, tem elevada chance de não sair vivo da sala.”
Chororô geral, entre a esposa e as filhas do Comendador. E um banho de água fria no cirurgião, que tinha certeza de que salvaria o paciente.
Porém ao longo da tarde o paciente piorou tanto que os médicos assistentes realizaram uma junta médica, e chegaram à conclusão: ou opera ou morre sem fazer nada. Comunicada, a família autorizou a operação.
Fim de tarde na São Vicente, o corredor cheio de médicos ilustres e amigos: os jovens e inseparáveis urologistas Dr. Jacinto e Dr. Osorinho; Dr. Oscar de Castro discretamente contando uma piada a Dr. Humberto Nóbrega (que segurava o riso como podia); Dr. Plínio Espínola preocupado com o amigo; Dr. Lauro Wanderley e Dr. Danilo Luna (era o obstetra da esposa do Comendador); os pediatras Dr. João Soares e Dr. João Medeiros; o irreverente Dr. Arnaldo Tavares, só para citar alguns.
No Centro Cirúrgico, Dr. Achiles já se lavando e Dr. Almir Lopes preparando os gases para a anestesia. O maqueiro já estava na porta do quarto, para levar o paciente para a sala de cirurgia.
Logo após a saída do Padre Zé Coutinho, Dr. Velho Mestre pela última vez tomou o estetoscópio e auscultou o abdômen, na esperança de ouvir ruídos hidroaéreos. Pois isto significaria que o trânsito intestinal se refizera, tornando dispensável a cirurgia de altíssimo risco. Debalde: silêncio fúnebre.
Desolado, o Dr. Velho Mestre desabou na cadeira ao lado, e na vã tentativa de evitar a cirurgia, fez um último apelo ao paciente:
“Nêgo, dá um peidinho pro papai, nêgo, dá!?!”
José Mário Espínola é médico e escritor E-mail
Ele veio qual capim numa fresta de asfalto. Saiu verdejante em meio à brutalidade daquelas pedras pretas, sob o caustic...
Devir-amizade, devir-amor
Ele veio qual capim numa fresta de asfalto.
Saiu verdejante em meio à brutalidade daquelas pedras pretas, sob o causticante calor que só o asfalto produz e suporta. Saiu como vida que se vinga da propensa morte, desafiando mesmo os textos sagrados que pregam terra fértil para semeadura. Verdejou porque buscava o Sol, desejava a luz, seu alimento único.
Assim é como eu te vejo. Algo raro, mas não perecível. Sinto em ti uma espécie de seiva que me nutre e me refresca o tempo árido da vida.
Assim é o amor entre amigos. Não é o ardor da falta, o medo do não ter. É um devir sempre-ter, melhor, sempre-ser.
O amor entre amigos é rizomático. Eclode em terrenos inusitados e ludibria a razão. Mil palavras quisesse eu agora tê-las no encontro do branco papel e a marca indelével da tinta para dizer sobre o amor entre amigos.
Talvez fosse o devir-amizade um labirinto. Portas e entradas-saídas que talvez nunca delas se saia. Mas não é espanto e nem gaiola. É um ritornelo, um eterno vir-a-ser de tantos sentidos e afetos sempre-ditos, jamais-ditos. Nas alamedas nunca se enluta o amor, pois que brota sempre. Emerge em espaços de encontros. O amor-labirinto é o sempre-encontro.
Talvez fosse o devir-amizade um chuva fina e molhadeira. Daquelas que caem sei lá de onde, em forma de gotículas quase invisíveis, mas que nos ensopam quase à alma. Chuvinha mansa e criadeira. Sem trovoadas e raios rasgando horizontes. Não. Nada de trovejos. Apenas um zunido de coisas que nascem, como se o som dos brotos rasgando a terra pudesse ser ouvidos na sua sinfonia de vida que nasce. O amor-chuva fina é o ato da criação.
Talvez fosse o devir-amizade um eco. Repetições de últimas frases, às vezes desconexas e vãs. Aqueles de buracos abissais, de cânions que nem se sabe onde findam. Aqueles das catedrais góticas, de sons que ricocheteiam seus arcos. O som depois dos mantras nos sagrados templos. O amor-eco é o som do que já foi dito.
Talvez fosse o devir-amizade uma ponte. Quando se dá este encontro entre um Eu e um Outro, diluem-se ambos. Perco-me de mim no outro. Encontro meus vazios no outro. Dispo-me na apresentação ao outro, a este outro que talvez seja um Eu reconfigurado. Reflexo de mim, despido de mim, pois no encontro amoroso, cedo o que me torna eu mesmo em nome de um nós, de um enovelamento de si sobre o outro. Entre o Eu e o Outro nada mais resta que só o vazio. Mas há a ponte, o intermédio. O amor-ponte é a nudez dos afetos.
Reviro caixas em busca de cartas que nunca escrevi. Reviro-me à noite, insone e ensopado de suores que nem me pertencem. Assunto o dia vago, buscando sei-lá-o-quê.
Que me falte o pulso dos homens.
Que me falte o pulsar das mulheres.
Mas não me faltem os amigos.
Que afoguem os mares de sonhos.
Que me traguem os vinhos mais raros.
Que, enfim, se abram minhas eclusas e que eu, taciturno e pálido dentro das vazias noites, me escorra em rios de corredeiras sem mares.
Mas que não me falte o devir-amizade. Amor-amigo é amor que nunca seca.
Adriano de Léon é doutor em ciências sociais e professor E-mail
Estamos confinados. Pelo menos quem pode. Mas não há como esquecer dos inúmeros semelhantes que estão tentando ajudar a salvar o planeta da...
Mas há tanto o que fazer...
Estamos confinados. Pelo menos quem pode. Mas não há como esquecer dos inúmeros semelhantes que estão tentando ajudar a salvar o planeta das consequências da pandemia. Em áreas e setores essenciais à vida, à ciência, à saúde, eles prosseguem no dever inerente às profissões que abraçaram. Lixeiros, médicos, enfermeiros, pesquisadores, entregadores, operários, motoristas, cozinheiros, caminhoneiros, funcionários de hospitais, de farmácias, de supermercados, padaria e outros tantos estabelecimentos que permanecem suprindo e atendendo à humanidade alarmada… E Sartre ainda disse que “o inferno são os outros”. Ai de nós sem esses outros eus de nós mesmos!
E os trabalhadores autônomos, ambulantes, picolezeiros, pipoqueiros, amendoinzeiros, quitandeiros, que ganham em um dia o que comerão no próximo? Que prejuízo, que situação...
Não nos lembramos de ter vivido algo parecido, com tal repercussão na vida e no cotidiano, pessoal, profissional, local e mundial. E olhe que já vivenciamos algumas situações que preocuparam o mundo, mesmo quando viajamos em época de gripes suína, asiática, h1n1, assim como durante ou logo após episódios de poeira exalada dos vulcões da Islândia, dos Andes, terremotos na Nova Zelândia, ondas de terrorismo, mas nada se compara com o que ora nos deparamos.
Esse corona nos tirou literalmente de letra, redundância em propósito! Uma freada brusca no ritmo da vida, sobretudo a urbana. Sim, pois fico pensando como estarão os cenários dos alpes austríacos, das ilhas de Kara, de Barrents, das praias de Beaufort, de Baffin, do lago Yessey, dos campos de neve da Sibéria?... Será que a audácia do corona chegou a tanto? Bem, eles têm o paraíso. Voltemos à realidade...
E nós, como estaríamos se não fossem os outros, em Jean Paul? Como agora grita alto a solidariedade!... Como emerge a importância do conviver, do trabalhar, do usufruir aquilo que a humanidade fez e faz por nós, com tanto trabalho e dedicação.
Como brilham os livros nas prateleiras, as lembranças de outrora, as bibliotecas de música e filmes. Como cantam na memória as ternas amizades, entre elas o abraço, o afago, doce e meigo de nós outros, dos que Sartre num rompante de estresse ou agonia jogou para o inferno. Nem Dante chega a tanto...
E a Internet? Como esse canal se faz tão essencial. Como estaria a população, de todas as classes, sem as redes que interagem, que infundem e confundem?...
Mas há tanto o que fazer... Por nós e pelos outros. Por que não telefonar para aquela tia idosa, uma amiga de seu tempo, trocar umas palavras, uma ideia otimista... Está na hora de ajudar, seja orando ou meditando, emanando vibrações a criar na atmosfera o ambiente favorável de inspirada harmonia. Nem de longe se imagina como assim auxiliamos no caminho da evolução...
Mas há tanto o que fazer... Tantas portas se abriram para a fraternidade. São ações e doações que se expandem de mãos dadas em busca do alívio aos mais necessitados. Adiante, contribua, faça tudo que é possível com os dons que lhe couberam. Escreva, contribua, divulgue o que faz bem, esconda o que não faz. Semeie a esperança, multiplique o otimismo, a paz e a concórdia.
Um dia, lá na frente, haveremos de lembrar da maneira como agimos. Se foi p’ro bem comum ou pra semear discórdia. Se torcemos pelos outros ou por nossos interesses. Se unidos estivemos ou vibramos pelo inferno, que um dia abrigará os que dele usaram ou fizeram acreditar.
Não se engane, tudo passa. O corona, a quarentena e as mazelas que vierem. Só não passam as lembranças que estarão na consciência. De culpa, de remorso, ou de paz e gratidão por si e pelos outros.
Germano Romero é arquiteto e bacharel em música E-mail
Já faz tempo que o tempo me cobra Versos que há tempos ando devendo Faltava tempo pra engenhar tal obra Como se tempo vivesse eu perd...
Tempo
Já faz tempo que o tempo me cobra
Versos que há tempos ando devendo
Faltava tempo pra engenhar tal obra
Como se tempo vivesse eu perdendo
Velho inspirador tempo que não para
É dele que o poeta espera a jóia rara
Garras que me imprimem à face cicatrizes
Nevando cabeças com alvas matizes
Operoso o tempo em sempiterna lida
Milagroso mestre em diuturnas curas
Dligente em sarar feridas das criaturas
Paciente a escutar os horrores da vida
Dias irascíveis em que animal me sinto
E esqueço pelo ódio o passado ancestral
Se a ele dou tempo afasto o vil instinto
Pois pra cada coisa há o tempo divinal
Tempos demorei pra me achar inteiro
Até concluir que meu sangue é tinteiro
Registrando tempos de dor e alegria
Tempo que meu Deus me permitiu poesia
Andei cinco quadras neste passatempo
À caça da rima pra fechar mais nobre
Pois o próprio tempo dava rima pobre
Vou pedir ao Pai que me dê mais tempo
Stelo Queiroga é engenheiro e poeta E-mail
No mês de julho de 1922, o Engenho Baixa-Verde estava com as enseadas cobertas de canaviais. Os paus-d’arco floridos infestavam as abas das...
O Baixa-Verde dos aromas, das cores e da alegria
No mês de julho de 1922, o Engenho Baixa-Verde estava com as enseadas cobertas de canaviais. Os paus-d’arco floridos infestavam as abas das serras, o flamboyant coloria o terreiro e à noite o vento zunindo na cumeeira da casa grande testemunhava o nascimento Hermano José.

Muita coisa ali mudou desde o seu nascimento, mas a terra se mantém engalanada, pássaros em menor intensidade, e em torno da casa adormecida o vento continua soprando por entre as serranias cobertas com rala vegetação.
O poeta permanece no meio de nós por meio da sua pintura, porque preservou o olhar para a paisagem de Serraria, que dividia com Caiçara, outra cidade onde viveu nos primeiros anos de vida. Tudo o que observou, ele transportou para os quadros pintados no decorrer de nove décadas de vida.
O trabalho dele está abalizado na beleza poética captada pelo olhar místico para as inspiradoras paisagens da infância e da adolescência. Numa referência a um poema, podemos dizer que artista como ele “só se tem uma vez”. A arte é que fica. Sua arte perpetuará sua presença no meio de nós. Ele está na arte que concedeu, por isso eternamente ficará em nossos corações.

Uma bonita celebração deve ser preparada, fazendo do engenho palco de manifestações alusivas ao seu nome. Ao Estado caberá capitanear o elenco de eventos em torno de Hermano José, num reconhecimento ao trabalho realizado para tornar a Paraíba ainda mais conhecida por meio da arte.
Podemos dizer que Hermano tinha o olhar ao transcendental, como que buscando respostas para perguntas que inquietam muita gente.
Tinha consciência do seu papel na preservação da vida e na construção da fraternidade. Percebia que as pessoas destruíam-se, destruindo o ambiente onde vivem, mas achava que ainda havia tempo para recuperar o mal causado à Natureza, de modo que a nossa geração “tivesse a condescendência para com as gerações futuras”.
Para nos redimir do silêncio em torno do seu trabalho, busquei a citação dele quando disse que “basta olharmos as florestas, os rios, os mares e o céu, e teremos parâmetros para conhecermos nossos limites”.
Seu mundo foi construído na paisagem agreste de Caiçara, mas em Serraria captou a paisagem que alimentou sua vida. “O Baixa-Verde era o lugar dos aromas, das cores e da alegria”.
José Nunes é cronista e membro do IHGP
A mediocridade é um comportamento humano que encontramos em todas as classes sociais e faixas etárias. São pessoas que aceitam essa postura...
A mediocridade
A mediocridade é um comportamento humano que encontramos em todas as classes sociais e faixas etárias. São pessoas que aceitam essa postura como opção de vida, porque desacreditam do seu próprio potencial. Possuem como característica a falta de iniciativa em tudo que fazem. Não têm pensamento voltado para a criatividade, são desprovidos de talento, não se dão valor. Fogem das oportunidades de serem autônomas.
A mediocridade estimula procedimentos que resultam da vontade de imitar os outros, acreditando que assim se nivelam aos que se destacam. Os medíocres adoram uma rotina, em razão do medo de encarar o diferente. Falta-lhes o senso das coisas, daí preferirem acompanhar a compreensão e o raciocínio dos que elegem como exemplos de conduta.
Quem tem a tendência a obedecer sem questionar, será sempre um submisso, subalterno, dependente, nunca será um líder. Haverá permanentemente de seguir um comando, jamais terá capacidade de dirigir, ordenar, mandar. Revela-se um medíocre.
Interessante que a mediocridade incentiva as pessoas a procurarem estar na moda, dando-lhes a impressão de que assim se tornam iguais aos que se sobressaem de alguma forma. Vivem das aparências. Amam o supérfluo. Valorizam as insignificâncias, desde que induzidas a isso.
O reinado da mediocridade é povoado por indivíduos que não controlam seus próprios destinos. São guiados, não se permitindo darem encaminhamento por espontânea decisão ao curso de suas vidas. O pouco lhes contenta, não têm ambição. Têm receio de irem em busca do crescimento pessoal.
Precisamos ter cuidados na convivência com os medíocres. Eles tentam nos puxar para o seu grupo. Todo medíocre gosta de se ver espelhado noutro. Não se incomoda em ser apenas mais um na multidão, desde que se veja em nível de igualdade com os demais. O medíocre é, portanto, uma péssima companhia, com ele não aprendemos nada de bom.
Rui Leitão é jornalista e escritor E-mail
Para escrever em um livro de páginas azuis é preciso usar tintas imaginárias, ter em mente palavras de algodão doce, feitas do açúcar mai...
Livro azul
Para escrever em um livro de páginas azuis é preciso usar tintas imaginárias, ter em mente palavras de algodão doce, feitas do açúcar mais cristalino, e desejar capítulos de sonhos (o doce de padaria). A receita é infalível, uma delícia.
O lápis precisa de recarga de sorriso, de preferência de criança correndo no meio do jardim. A métrica exige a atenção dos olhos dos amantes, e que venham com suspiros e canções, para acalmar o coração acelerado. E sim, as letras sairão quando as pálpebras estiverem encobrindo a visão, isto para garantir a precisão das rimas.
O melhor momento é que a escrita seja à tarde, com o Sol um pouco antes de se dirigir e se reclinar para beijar o horizonte para desejar boa noite. Ah! À noite, nós mortais não podemos escrever no livro de páginas azuis porque dá lugar a outro, cujos espaços foram pintados por Deus com pontinhos faiscantes.
As páginas azuis do livro do dia, elevadas ao teto do universo, exalam um cheiro inconfundível de algum momento da infância. Aquele que vem à mente sem que consigamos identificá-lo, mas nos é familiar e remete aos primeiros anos de vida com os pés no chão, vento no rosto, chuva nos cabelos, calor e poeira na corrida de olho na linha que conecta a pipa (papagaio) ao céu. Quando nossos pulmões parecem incansáveis, nossas pernas as mais velozes, nossos braços os mais ágeis e fortes.
Cada letra requer caligrafia perfeita, contorno tipo nuvens "cumulus", popularmente chamadas de "nuvem carneirinho". Fico com a segunda opção, seria o cúmulo se negar a pensar nelas como novelos de lã. Recheadas de delicadeza, garantem maciez na escrita, juntas, formam palavras saborosas como brigadeiros comidos, digamos, a qualquer hora.
Ah! Nas páginas azuis registramos as histórias para serem impressas em máquinas que vão virar chuva para cultivar as terras férteis, para matar a sede, quando estiverem cheias de frases feitas de caramelos, que vão se juntando com gostosura.
Seus personagens? Sim, todos bem-amados. Prontos para misturar a espuma de barbear com a da cachoeira que mergulha do alto, depois de lá em cima tocar o azul inalcançável, apenas ultrapassável. Sim, pois as páginas se desfazem ao contato das mãos e dão lugar ao salto para fora da bolinha em que vivemos.
Ali, o escriba das letras que em fim de tarde saltam de brancas algodão para alaranjadas é feliz ao ser chamado carinhosamente de 'bobo' e até mesmo 'idiota'. Ele sabe que ter a capacidade de decifrar a grafia das páginas azuis é possível para todos, mas só poucos alcançam as páginas e conseguem redigir e acrescentar novos capítulos. Geralmente as crianças o fazem com mais desenvoltura, mas, geralmente, perdem a capacidade a medida que ganham altura e, teoricamente, se aproximam das folhas de azul celestial. Quanta ironia!
E no livro de páginas azuis o final, o "The End", será sempre sinônimo de recomeço, de reviver, de reescrever. Garantia de volta do algodão doce acompanhado de um sorriso. Apenas um hiato para mais uma aventura, nunca um desfecho, porém um salto para mais alto, um afastamento para um abraço.
Clóvis Roberto é jornalista e escritor E-mail
Meu Mundo-Sertão é repleto de mistérios, de belezas ocultas que se descortinam devagar, apenas para aqueles mais sensíveis, que não têm pr...
Luar do mundo-sertão

Meu Mundo-Sertão é repleto de mistérios, de belezas ocultas que se descortinam devagar, apenas para aqueles mais sensíveis, que não têm pressa, que se deixam levar. Fui para o Mundo-Sertão, desci a boca do Cariri, através da PB 138 (por Catolé de Boa Vista). Não tive a sensação tão esperada de após passar pelo distrito de São José da Mata e na entrada do sítio Tambor, a 704 metros de altitude, descer aquele corredor margeado pelas serras do Maracajá e do Engenho até a Praça do Meio do Mundo. É a partir dali que me sinto adentrar neste mundo mágico, repleto de sortilégios, mas não tive aquela costumeira e a esperada sensação.
Não fui pelo caminho habitual através da rodovia transamazônica porque desejava trilhar pela estrada que nos conduz a Catolé de Boa Vista, e em seguida ao município de Boa Vista, já na BR 412. Esse caminho já fiz algumas vezes, mas totalmente no asfalto ainda não. Segui. Estava na companhia dos amigos historiadores Erik de Brito (Neto) e Josemir Camilo que atenderam prontamente ao meu convite de participar da Reunião Ordinária do Instituto Histórico e Geográfico de Serra Branca em comemoração ao aniversário de 59 anos da cidade.
Partimos ao entardecer. Na boquinha da noite passávamos pelo tranquilo distrito de Catolé de Boa Vista; mais à frente, após passarmos por Boa Vista, já a caminho de São João do Cariri, vimos, como um sinal, um clarão, um relâmpago que parecia ser lá pelas nascentes do Rio Paraíba, em Monteiro. Minutos após sentimos um forte cheiro do mato, marmeleiros e juremas pretas parece que haviam entrado pelos dutos do ar condicionado nos inebriando, como é possível? Neto e eu nos olhamos, eu sorri. Aquilo era só mais um sinal da natureza chamando a contemplá-la. Desliguei o ar, desci os vidros, diminui a velocidade. Noite de lua cheia! Mata, serrotes, rodovia, tudo iluminado. Aproveitando a soledade de nosso carro, desliguei o farol. Nada de artificial em genuínas sensações e sentimentos. À margem direita da estrada, na famosa muralha do meio do mundo cacheada de blocos rochosos, o alumiar da lua beijava o contorno das serras, dava forma aquele horizonte, um sol de prata “prateando a solidão”, cenário mágico, luar do Mundo-Sertão.
Neto e eu nos deslumbrávamos a cada momento, contemplávamos as estrelas, vi a ursa maior, um êxtase difícil de quantificar. Naquele momento acho que o Prof. Josemir Camilo, que só observava o nosso movimento, pensava que aqueles garotos tinham endoidecido, talvez seu habitué metropolitano não permitira tal desfrute. Ora, já dizia Pedro Nunes, quando se aprende a amar o Mundo-Sertão, chega dá gosto pisar em cima dele, sentir o chão estremecer, mergulhar em seus mistérios, e assim fazemos quando a vida nos leva pr’aqueles rincões.
Em São João do Cariri, paramos em Roque Santeiro para comer uma fatia de bolo de mandioca com queijo coalho (dali mesmo!) bem assado, acompanhado de café puro e forte. Sentei na primeira mesa e, vez em quando, fitava ao longe as curvas do rio Taperoá, refletindo a lua e nos provendo uma brisa úmida e fria, vinda do sul.
Cheiro de terra molhada anunciava chuva próxima…
Chegando a Serra Branca, a lua faceira cintilava na Serra do Jatobá - a Serra Branca. Um espetáculo, aquela cena. Já na cidade, chegamos ao destino, a Escola Vasconcelos Brandão. Professor Zé Pequeno, na calçada a nos esperar, nos chama: – Thomas, vamos entrar, tá chuviscando!
Um fino chuvisco, sem a densidade de uma neblina, não incomodava, ao contrário: – Zé, vamos prosear por aqui, contemplar o luar, esse chuvisquinho p’ra banhar nossa alma, e ali conversamos um pouco... ao mesmo tempo que via o movimento ao longe, nos arredores da praça, afinal era um sábado e, além do mais, festivo para Serra Branca.
“Não há, oh gente, oh não, luar como esse” do Mundo-Sertão...
Thomas Bruno Oliveira é historiador e jornalista / e-mail.
Chegar em Londres para mim é uma experiência mais afetiva que geográfica. Reporto-me aos tempos dos meus doze anos de idade e da Cultura I...
Diário de uma viajante


Perguntaram-me o que dessa vez, eu queria ver em Londres? Nem eu sabia. Nunca quero muito. Simplesmente estar nessa cidade. Queria perambular. E foi o que fiz: Almoçar no Borough Market, ouvindo aquele Senhor com um sotaque esquisito vendendo morangos frescos, no meio daqueles tons ocres do mercado, que parecia cenário de filme, e/ou dos romances de Charles Dickens. Depois caminhar pelo Bankside, avistando a Torre de Londres de um lado, a paisagem cinzenta (não seria Londres se assim não o fosse). Passar em frente do Globe Theatre, me lembrar de Vitória Lima e as aulas sobre Shakespeare. Seguir, por entre pubs, turistas, até chegar a Tate Modern. Esse, meu lugar favorito das artes. Uma exposição especial de Picasso (The EY Exhibition Picasso 1932 - Love Fame Tragedy), e ficar deslumbrada novamente com sua obra e esse ano específico chamado de “ Year of Wonders”. Vi montes de crianças pintando pessoas com olhos dis-formes. Criança que visita museu, com certeza terá outros olhares/ângulos quando adulto. Penso. Do sexto andar, do café, a vista do Tâmisa. E aquele cenário de uma Londres futurista com seus novos prédios gigantes: O Shard (em forma de pirâmide), o Gerky (em forma de ovo), e o Walkie Talkie (um tijolo!). O novo se contemporizando com a tradição da arquitetura gótica de Westminster e das Houses of Parliament.
Atravessei a Millenium Bridge. A ventania quase leva minha sombrinha com as cores da bandeira inglesa, que havia comprado na London Eye, por entre turistas outros. Uma moça cantarolava com sua voz delicada. Mais ventania. Mas como resistir ao Tâmisa? Seguia, e numa das pontes, um latino tocava “Despacito” na sua sanfona. O eco daquela música, varreu de mim qualquer preconceito. Parei. Ouvi. Dei-lhe uma moeda. E me emocionei. Quase dancei! Depois, ao longo do Queen´s Walk avistava o London Pride e os barcos naquelas águas caudalosas. Quase pude ver uma tela de Turner e seus mares escuros. O Big Ben em reforma estava vestido, se escondia de mim, mas a ponte de Westminster, com seus Double Decks circulando, tudo me remetia aos sonhos de menina e a Cultura Inglesa. No meio do caminho vi uma estatua de Sir Lawrence Olivier, um edifício da London School, com o nome de Virginia Woolf, e as aulas de literatura Inglesa também vinham pelo caminho. Mrs Dalloway passeava!
Mas sou fascinada por mercados. E Londres é a cidade dos mercados: Notting Hill/Portobelo, Peticoat, Broadway Market, Borrough Market, Camden Town e tantos outros. Gosto de circular por esses lugares no meio da rua. Saborear comidas exóticas. Provar roupas diferentes. Broches. Chapéus. Echarpes. E mais, aquela multidão diversa de todos os lugares do mundo. Essa é a magia.
Portobelo Road no Sábado. Aquela cerejeira em flor branca me esperava. Tantas lojas, brincos, prata, âmbar. De novo ficava zonza. Não sabia o que comprar. Tantos anos indo ali. Julia Roberts era eu! E escutava Charles Aznavour cantando She. Sentei num dos banco típico. Tomei café com Brownie. E entrei na livraria do filme esperando encontrar Hugh Grant...
Seguimos para desbravar Shoreditch, o bairro descolado da cidade. Nova área revitalizada. Grafites. Bansky pelas paredes. Chuva. Mind the Gap. Comprei o cartão Oyster para poder rodar nos undergrounds. Viajar é para os fortes. Léguas de andanças. Muitas escadas para ir num Roof Terrace (levada pela minha sobrinha Natália), – baladas de sábado à tarde! Domingo foi em Brick Lane. Chove Chuva, mas mesmo assim, mercados de comida, vestidos e flores.
Oxford Street é decadente? Talvez. Para mim, ver os Double-decks é uma volta aqueles livros da língua Inglesa. Uma cena de cartão postal. Assim como Carnaby Street, a loja Liberty, Totterham Court Road (estação que serviu de abrigo nos tempos da Guerra), Regent Street. Passear pelas lojas, entrar e sair pelas grandes Department Stores.
Em Covent Garden gosto de tomar um chá. Ouvir os artistas de rua. Comprar cartões, souvenirs, ouvir um moço cantando ópera, ir até a Neal´s Yard e ficar embriagada com o cheiros de lavanda, lima da Pérsia, hortelã e bergamota. As cores daquela esquina, me lembram da exuberância de Frida Khalo: vermelho, verde e roxo! Todos se sentam na pracinha para contemplar o exagero daquela encruzilhada perdida naqueles tons de cinza da cidade. Na esquina do tube station, os motoristas do tuk tuk sorriem. Mais flores lhe dão as boas vindas à esse mercado que um dia já foi para cavalos. A Crabtree & Evelyn me convida para aromas de abacate e laranja. Não resisto. E aquele moço de smoking e chapéu coco, me vende uma bolsinha vintage feita por ele. Conversamos sobre corte e costura! Logo eu, que não sei dá um ponto. Sem nó!
Uma amiga de infância, Silvia Helena, me convidou para um Gin and T, num outro Roof Terrace com vista para a St. Paul´s Cathedral. E de lá, vi Londres aos meus pés. A felicidade existe ! falou Mrs. Dalloway! Em As Horas!
Da estação de Paddignton segui (como nos filmes), para Cardiff, para encontrar meu refúgio em Penarth (no Vale de Glamorgan, endereço de fadas e duendes), na casa da minha irmã, Teca, que tem cheiro de alfazema e cartões de boas vindas. A cozinha com aromas outros, gulodices (mirtilos e Pavlova; samosas e espinafres frescos; mais Gin and T!). Beleza, placidez, aconchego, palm tree, e um pé de louro no quintal (trouxe umas folhas na mala para por no meu feijão). Até retalhos da calçada de Copacabana tem no seu oitão, quadros de Flávio Tavares e Isa do Amparo, para que ela sinta um pedaço do Brasil iá iá.
A vizinhança? um silêncio só! Fazia frio, galhos secos de fim de inverno. Lojas de caridade, Café Number One! cheio de poemas de Eliot e Byron. Uma Senhor lê o jornal e toma seu chá. O Brasil pegando fogo com notícias tristes e eu, tão longe, vendo aspargos frescos, soldadinhos de chumbo e ruas de Oliver Twist. Flanando por essas ruas de casas com bay windows. Tudo tão plácido! Lixo reciclado. Pessoas que falam baixo. Lampiões acesos em plena luz do dia e um sol fraco que não esquentava. Tinha a sensação que estava morando ali, tamanha era a distancia da minha casa.
Cenas da natureza tem o poder de nos sugerir certos valores – os carvalhos, dignidade; os pinheiros, resolução; os lagos, calma – e, de maneira discreta, podem agir como inspirações de virtude. ( pensamentos de William Wordsworth em A Arte de Viajar, Alain de Botton).
Fiz passeios por Cowbridge, Ogmore-by-Sea e Southerndown, ali eu era a Filha de Ryan ou A mulher do Tenente Francês. Thatched houses, ruínas castelos, penhascos, daisies, daffodils, ventos, névoas, brumas, céus, seixos, gaivotas, hills, horizontes infinitos, mares gelados e uma sombra marrom do lado de lá – a Inglaterra !.Ovelhas no countryside, e, aos sons cortantes das gaivotas, me reportava para outros tempos.
Viajamos pela região de Cotswolds, (cenário do filme O amor não tira férias , 2006, com Jude Law e Kate Winslet). Cidadesinhas medievais; um mercado do ano de 1.100. Uma cottage chamada de Horse and Groom, com lareira e paredes centenárias . Lugarejos com nomes compostos: Bourton-on-the-Water, Stow-on-the-Wold, Burford, Moreton Marsh, Chipping Camden…. Riachos, ruelas, recreios! Não sabia mais para onde focar a beleza. Nenhuma máquina seria capaz de captar as lojinhas, as ovelhas, os trecos nas portas das casas, os casais fazendo trecking pelas trilhas, as tea houses. E tantas outras belezas e iguarias. Pensei em Harry Porter ou nas histórias de Jane Austen. Os recantos Britânicos são indescritíveis. Os verdes, os cinzas, e os horizontes perdidos nas estradinhas fora dos circuitos das motor ways.
Pensei no filme Thelma & Louise, Teca e eu, naquele seu carrinho branco e preto, livres por entre as lanes, as off roads, por entre as florzinhas amarelas dos campos de canola....uma felicidade. Sem tempo , mas com direção. E sem a violência do filme, claro! Voltaríamos logo para casa. O pub nos esperava. E quem sabe outras aventuras, espantos e diários.
Viajar é bom. Voltar também. Registrar, re-contar, e fazer diários, para mim. Somente.
Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura e escritora.
Quanto de dor já escorreu nas frestas Quanta coragem foi ali bradada Quanto de lágrima foi derramada Por entre as tábuas que aqu...
Tábuas e távolas
Stelo Queiroga é engenheiro e poeta E-mail
Esta história me foi contada pelo inesquecível Romero Peixoto, meu amigo querido, companheiro do xadrez do Esporte Clube Cabo Branco,...
O noivado
Ia ser o noivado do ano. Filho de tradicional família paraibana, o jovem cirurgião dr. Augusto de Almeida Filho finalmente decidira se casar.
O dr. Augustão, como era carinhosamente chamado pelos seus discípulos, na juventude tinha se destacado por três características: aluno estudioso, sendo o melhor da sua turma; personalidade forte, o que o fazia se impor sobre os demais; e pavio muito curto, que o fazia brigar quase todas as manhãs, na saída do colégio Pio X. Foi assim no ginásio e no científico.
No curso superior, revelou-se um acadêmico brilhante, concluindo Medicina com louvor. Partiu, então, para Harvard, onde se especializou em cirurgia digestiva. Após passar três anos, pavio mais curto, retornava a João Pessoa, tornando-se o maior partidão entre as moças casadoiras da época.
Pois não é que o dr. Augustão se embeiçou pela Fatinha!? Garota linda, charmosa, rostinho coquete, mascando chiclete, era uma rosa de bonita. E muito prendada. A sua beleza tinha o DNA da mãe: dona Ilda era belíssima! Tanto que ela foi a primeira Miss Paraíba.
A filha do Seu João Celso, grande comerciante, correspondeu ao flirt do dr. Augustão. Namoraram, e após um bom tempo decidiram se casar, para alegria das duas famílias.
Representante da Alta Sociedade local, a dona Ilda entendeu que o pedido-de-mão da sua filha, logo por dr. Augustão, tinha que ser um acontecimento marcante. E decidiu organizar um jantar em grande estilo para marcar a data.
Convidou, entre outros nomes da nata da sociedade: o comendador e industrial Renato Monteiro; o comendador Aluisio Ribeiro Coutinho; o industrial José Nilson Rolim; o economista Pavlov Baltar; o industrial do sorvete, Manuel Tropical; o famoso urologista dr. Jacinto Londres de Medeiros, com grande clientela na rua Maciel Pinheiro; o gerente do Banco do Brasil, David Trindade, com a sua Margot; o arrebatador tribuno Mocidade; o presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Sarmento; o arcebispo Dom José Coutinho; o major Ciraulo; o governador João Ramalho; o engenheiro Fernando Dias; o prefeito da Capital, dr. Luis de Oliveira Lima; o bardo Manuel Caixa-D’Água; o comendador Romero e Terezinha Peixoto; o grande dermatologista dr. Arnaldo Tavares, com a sua esposa Otaviana; o advogado famoso Tiburtino Rabelo de Sá, acompanhado de sua discreta esposa, dona Toinha. E completou a lista com a socialite Isabel Bandeira Brasileira e com Agá, o mais presente cronista social da sua época.
Assinava o jantar dona Carmélia Ruffo. As empadinhas, os pastéis açucarados e os pastéis-de-nata não poderiam ser de outra senão da dona Nisa Siqueira. Organizou o serviço o ágil garçom Forzinho.
Na grande noite, como seu pai se encontrava enfermo, o dr. Augustão tomou como padrinho o seu irmão médico dr. Ney Almeida, cirurgião há muitos anos radicado no Rio de Janeiro, e que viera tão sòmente para o evento.
Lá chegando, o noivo apresentou seu irmão aos futuros sogros, ao governador, ao prefeito, ao bispo, ao engenheiro, ao industrial, ao major, aos três comendadores, ao gerente; e a todos os demais presentes.
O dr. Ney recebeu de Forzinho uma dose de Old Parr e sentou-se na roda. Homem bem humorado, o dr. Ney, muito espirituoso, logo soltou uma piadazinha leve, tipo balão-de-ensaio; ou uma isca, como querem outros.
Bonachão, amante da boa comida e do bom whisky, o Seu João Celso (logo o pai da noiva!), que adorava uma piada, foi justamente quem mordeu a isca.
E logo iniciou-se um delicioso duelo: um contava uma piada, o outro respondia com outra pior. O outro replicava, e assim por diante.
Versaram sobre tudo que é tema: piadas de bêbado, de doido, de corno, de bicha. Piada de crente, de católico, de apostólico, de romano; de gregos e troianos, de turcos e judeus.
E para desespero dos noivos, a cada rodada caía mais o nível das piadas, num crescendo (ou num descendo!) qual um Bolero de Ravel picante.
A noiva assombrada correu para dentro de casa e contou à mãe o que estava acontecendo. Esta apressou os trabalhos e chamou todo mundo para o jantar.
Mas, para desespero dos noivos, a dupla de humoristas continuou a desfilar seus piores repertórios à mesa. Dr. Augustão, vermelho, suava às bicas. Foi quando um beliscão por baixo da mesa, dado por dona Ilda, fez o Seu João Celso se tocar. Então ele disse:
“Dr. Ney, vamos parar por aqui, pois, o senhor sabe, a mesa é um lugar sagrado...”
E, para horror do dr. Augustão, seu irmão respondeu:
“É uma pena, pois só de “c*” ainda tenho umas seis...”
O dr. Augustão mergulhou debaixo da mesa, de onde só saiu depois do último convidado.
José Mário Espínola é médico e escritor E-mail
Nunca devemos desprezar a coragem de construir a História com “H” maiúsculo. É preciso não deixar que os acontecimentos mudem os rumos das ...
A História com H maiúsculo
Nunca devemos desprezar a coragem de construir a História com “H” maiúsculo. É preciso não deixar que os acontecimentos mudem os rumos das coisas projetando um porvir reacionário e retrógrado. Há a necessidade de trabalhar transformações de idéias objetivando formar conceitos novos, sem perder a consciência das responsabilidades inerentes a uma democracia. Gestar o futuro a partir da análise reflexiva e crítica dos acontecimentos sociais, políticos e econômicos, em obediência aos valores morais e éticos que se afirmaram na transferência de gerações.
O engajamento cívico em favor das causas que interessem ao país é, antes de tudo, uma atitude de cidadania. No entanto, é inaceitável que os envolvimentos em projetos de mudanças sociais, se façam de forma irresponsável, guiados por interesses escusos, pressionados por campanhas midiáticas patrocinadas pelos que ambicionam o usufruto de benefícios em detrimento das demandas coletivas. A História com “H” maiúsculo preza pela desapaixonada visão interpretativa dos fatos, aproveitando-os como norteadores de uma posteridade que sirva a todos e honre nossas tradições.
Os acontecimentos emblemáticos da contemporaneidade, na análise dos seus significados, devem produzir narrativas de caráter histórico que engrandeçam e valorizem a cultura do nosso povo. Elaboremos uma memória social e politica válida, de maneira que nossos descendentes se orgulhem do protagonismo que exercemos na atualidade. Que as ações do hoje sejam compreendidas no futuro como determinantes na edificação de um Brasil cada vez melhor.
Façamos então bom proveito desse clamor por moralidade no exercício do “fazer política”, mas prioritariamente nos comprometendo a combater as velhas práticas que caracterizam o comportamento nacional, já conhecido no mundo inteiro como “o jeitinho brasileiro de querer levar vantagem em tudo”. Urge uma revolução cultural, mudanças rápidas e radicais nessa forma viciada e corrupta de atuar enquanto atores sociais. Só assim, iniciando com a cobrança de nossas próprias posturas, poderemos exigir dos outros que ajam em consonância com as regras morais e éticas que nos livrarão definitivamente da chaga da corrupção.
Não joguemos por terra a oportunidade de escrever a História com “H” maiúsculo, atacando um bem conquistado através de muita luta, que é a democracia. Na História com “H” maiúsculo não se admitem retrocessos, volta às experiências que nos fizeram sofrer, fortalecimento de idéias que alienam e subvertem os conceitos que nos garantem o inalienável direito de agir e pensar livremente. A História com “H” maiúsculo não consegue registrar ocorrências que violem ordenamentos jurídicos ou preceitos constitucionais, no afã de atender interesses menores liderados por agentes políticos descomprometidos com as questões nacionais.
Rui Leitão é jornalista e escritor E-mail
Um sociólogo francês, Michel Maffesoli, afirma que o cotidiano é a fonte de todo conhecimento. Para mim, particularmente, é fonte ...
Cotidiano e vida
Josinaldo Malaquias é jornalista, advogado e doutor em sociologia pela UFPB E-mail
A história se sabe. Mozart possuía o gênio, Salieri apenas o talento. Mozart, sendo gênio, nem se dava conta de sua genialidade, que pa...
Mozart e Salieri
A história se sabe. Mozart possuía o gênio, Salieri apenas o talento. Mozart, sendo gênio, nem se dava conta de sua genialidade, que para ele nada custava, por ser absolutamente natural; Salieri, sendo apenas talentoso, ralava para cultivar seu pequeno engenho, e percebia a grandeza do outro, e a invejava, querendo-a, sem esperanças, para si. Mozart gozava seu gênio e ria sem motivo, como um louco; Salieri, cara amarrada, gemia suas limitações e sofria sua angústia em silêncio. Mozart, celebrado universalmente; Salieri, apenas lembrado como um apêndice acidental do outro.
O filme “Amadeus”, como é sabido, retrata a história de ambos os compositores, ressaltando Mozart, é claro, mas oferecendo ao expectador a oportunidade de refletir sobre o drama pessoal de Salieri, sua tragédia, sua maldição. E aí, milagre da arte, a pequenez de Salieri se impõe à nossa atenção, porque é nela que se revela mais nossa humanidade e não na genialidade de Mozart, privilégio de poucos, mais deuses que homens. Admiramos Mozart, mas nos enxergamos em Salieri. Mozart, tão alto, resta distante; Salieri, ao rés do chão, ao nosso alcance.
Pessoalmente, demorei a descobrir Salieri desse ponto de vista. No começo, talvez como todos, ou como a maioria, só tive olhos para Mozart, para sua excepcional aptidão, para seu dom quase divino. Sua luminosidade era tanta que ofuscava tudo e todos ao seu redor, inclusive Salieri, pobre mortal a contemplar o Olimpo, consciente de que não podia entrar naquele reino. Mas felizmente o tempo trouxe, ainda a tempo, a compreensão desse sofredor e, com ela, a identificação com sua dor tão humana. Salieri finalmente conquistou um lugar no altar de minhas devoções.
A genialidade, sabemos, é bela e extasiante, não há como não admirá-la como um prodígio sobre-humano. Mas por ser um dom, uma graça, é como se ela fosse de certo modo gratuita, revelando-se quase sem esforço por parte de quem a possui. E, paradoxalmente, essa gratuidade diminui sua grandeza, porque esta, cremos, só é verdadeiramente valiosa quando conquistada com esforço e não apenas recebida, como o maná que caía do céu para os judeus no deserto.
Hoje aprecio melhor Mozart e Salieri. Mozart diminuído? Jamais. Apenas Salieri tornado maior do que inicialmente imaginei. Do mesmo modo, muitas outras coisas e pessoas com o tempo aprendi a compreender e avaliar melhor. Relativizando para melhor ajuizar e encontrando por baixo do corriqueiro, do trivial, riquezas ocultas, insuspeitadas. Mozart está às vistas, Salieri precisa ser descoberto. Mozart é um super-homem, Salieri é nosso irmão.
Carlos Romero é um mestre da crônica que traz a melodia dos canaviais, a sonoridade dos riachos e a musicalidade dos pássaros de Alagoa N...
O cronista que supera o poeta
Carlos Romero é um mestre da crônica que traz a melodia dos canaviais, a sonoridade dos riachos e a musicalidade dos pássaros de Alagoa Nova, sua terra, cheia de encanto, que caminha com ele. Ele nasceu como metal modulado, aos poucos lapidado pelos pais. Escreve para ser lido ouvindo Chopin.
Tomando a paisagem como inspiração, no seu lugar se contempla a beleza entre morros, aos cuidados do vento e com água da chuva nos meses de maio a julho, revela-se quadro com noção de universo, ali aprendeu a distinguir a beleza que em emoldura a vida e nos insufla a amar o lugar.
Carlos Romero é personagem do meu círculo de admiração construído há 40 anos, quando eu dava os primeiros passados no Jornalismo, em afortunada aproximação, da qual recolhi as palavras que ajudaram a construir o edifício de minha vida, porque pronunciadas ao som da melodia que trouxe do seu mundo, os mesmos arredores de onde viemos, porque Alagoa Nova e Serraria nos dão a mesma sina.
Alguns tiveram o talento como destino maior, enquanto outros continuam com o bisaco vazio. Os que a fome não atrofiou os miolos, puderam conquistar espaços. Há alguns que encontraram alguém que abasteceu a esperança, mostrou que nem tudo está perdido para os que nascem nas grotas e carregam o jeito de andar como papagaio.
Ao longo dos anos recolho dele a visão do mundo composta de paz, silêncio, de modo apaziguador. Suas crônicas lidas e as palavras escutadas durante nossos encontros casuais, na redação, nas livrarias ou na Academia, deram base sólida para que eu soltasse a imaginação a vaguear por um mundo onde vive somente quem desenvolve e entende as manobras do espírito.
Nossos encontros repetidos na Academia, entre as prateleiras, nas livrarias e por meio de suas crônicas, deixaram-me lições inesquecíveis. Assim como foram as vezes que estive em sua casa para uma troca de prosa e de livros. Nestes momentos falamos de miúdas reminiscências dos nossos lugares, de literatura, de música clássica.
Sempre o escuto com alegria restaurada. Lhano, voz sem rompente, alinhado com as palavras, com serena feição, não se eleva em porte nem manja badalações ou retóricas. Pronuncia frases em sequência simétrica, sem cortes nem vacância.
Os leitores adentram-lhe a intimidade por meio de seus escritos, tão pessoais e adornados de sabedoria. Têm fervor literário que extravasa a leitura e o formato do texto. Faz deles o húmus para a mente e estímulo às ideias que habitam seu território íntimo.
Ele chegou a ser exagerado quando escreveu um prefácio para o livro de crônicas que publiquei em 2007, impulsionando-me a continuar rabiscando textos sobre Serraria e esta Capital, que me acolheu há 43 anos.
Peço-lhe a benção ante os verdejantes de nossa terra de canaviais, diante dos morros enfeitados por palmeiras, onde escutamos a zoada da água cristalina das cacimbas, o zunir do vento rodopiando entre os córregos, ouvindo o coaxar das rãs escondidas entre o milhã no regato. Por que nosso Brejo é mágico.
Amigo sem falhas, Carlos Romero é um escritor que nos tira a tristeza - relegai se não sou bom aluno! Ele é o cronista que supera o poeta.
José Nunes é cronista e membro do IHGP